Pedro Lucas Lindoso
Há
pessoas que são mestras em fazer confusão.
São pessoas confusas. Também conhecidas como lesas. Confundem alhos com
bugalhos. Enquanto o alho é o bulbo de certa planta, muito usado e apreciado na
gastronomia, o bugalho, também conhecido como noz-de-galha, é a protuberância
que se forma em troncos de árvores comuns no continente europeu, como os
carvalhos,
Nem eu
sabia o que eram bugalhos. Fui pesquisar. Não posso deixar meus leitores
confusos. Ainda bem que temos o professor Google. Sempre nos ajudando a
esclarecer nossas dúvidas.
Pois
bem, voltando ao assunto confusão. Essa história é antiga. O fato se deu nos
anos sessenta do século passado. O ocorrido me foi relatado pelo meu dileto
confrade Geraldo Xavier dos Anjos. Ex-presidente e membro dedicado do IGHA –
Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Academia Amazonense de
Letras.
Havia
um desembargador que era negro. Raridade nos dias de hoje. Naquele tempo, mais
ainda. Vamos evitar “dar nome aos bois”, como se diz popularmente. Determinada
autoridade precisava entregar uma encomenda ao desembargador. Dirigiu-se à
residência do magistrado com seu motorista. Ao chegar na casa do desembargador
pediu ao leso do homem que entregasse o documento ao desembargador. O motorista
avistou um senhor negro no jardim da casa e o chamou:
– Ô
preto velho, vai chamar teu patrão. O desembargador aproximou-se do portão e
disse calmamente.
– Bom
dia, eu sou o desembargador. No que o confuso motorista replicou:
– Deixa
de conversa, seu preto safado. Vai logo chamar o teu patrão. O desembargador,
evitando criar confusão, treplicou:
– Estou
dizendo ao senhor que eu sou mesmo o desembargador. Ainda sem acreditar, o
motorista respondeu:
– Espera ai um pouco que eu já volto, disse o
impertinente motorista. O leso do chofer então retornou ao carro com a
encomenda. O patrão, sem entender o que estava acontecendo, pergunta:
–
Entregastes a encomenda? E o motorista abestado responde:
– Não
senhor. Um preto que estava no jardim não quis chamar o doutor. E ainda por
cima dizia que era o desembargador. No que o patrão, entre nervoso e atordoado,
repreendeu-o:
– Meu
Deus! O homem é mesmo o desembargador.
Vai lá, pede mil desculpas e entrega a encomenda. Tu acabaste de escapar
de ser preso por desacato à autoridade. Seu estrupício. A confusão causada pelo
motorista pode ser considerada como racismo estrutural. Está presente na
própria estrutura social. Segundo essa concepção, o racismo não seria uma
anormalidade ou “patologia”, mas o resultado do funcionamento “normal” da
sociedade. Nos nossos dias seria crime de injúria racial e desacato.
Provavelmente, o motorista seria preso mesmo. Por confusão, desacato ou por
racismo.