Amigos do Fingidor

terça-feira, 11 de junho de 2024

Confusão ou racismo

Pedro Lucas Lindoso

 

Há pessoas que são mestras em fazer confusão.  São pessoas confusas. Também conhecidas como lesas. Confundem alhos com bugalhos. Enquanto o alho é o bulbo de certa planta, muito usado e apreciado na gastronomia, o bugalho, também conhecido como noz-de-galha, é a protuberância que se forma em troncos de árvores comuns no continente europeu, como os carvalhos,

Nem eu sabia o que eram bugalhos. Fui pesquisar. Não posso deixar meus leitores confusos. Ainda bem que temos o professor Google. Sempre nos ajudando a esclarecer nossas dúvidas.

Pois bem, voltando ao assunto confusão. Essa história é antiga. O fato se deu nos anos sessenta do século passado. O ocorrido me foi relatado pelo meu dileto confrade Geraldo Xavier dos Anjos. Ex-presidente e membro dedicado do IGHA – Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas e da Academia Amazonense de Letras.

Havia um desembargador que era negro. Raridade nos dias de hoje. Naquele tempo, mais ainda. Vamos evitar “dar nome aos bois”, como se diz popularmente. Determinada autoridade precisava entregar uma encomenda ao desembargador. Dirigiu-se à residência do magistrado com seu motorista. Ao chegar na casa do desembargador pediu ao leso do homem que entregasse o documento ao desembargador. O motorista avistou um senhor negro no jardim da casa e o chamou:

– Ô preto velho, vai chamar teu patrão. O desembargador aproximou-se do portão e disse calmamente.

– Bom dia, eu sou o desembargador. No que o confuso motorista replicou:

– Deixa de conversa, seu preto safado. Vai logo chamar o teu patrão. O desembargador, evitando criar confusão, treplicou:

– Estou dizendo ao senhor que eu sou mesmo o desembargador. Ainda sem acreditar, o motorista respondeu:

 – Espera ai um pouco que eu já volto, disse o impertinente motorista. O leso do chofer então retornou ao carro com a encomenda. O patrão, sem entender o que estava acontecendo, pergunta:

– Entregastes a encomenda? E o motorista abestado responde:

– Não senhor. Um preto que estava no jardim não quis chamar o doutor. E ainda por cima dizia que era o desembargador. No que o patrão, entre nervoso e atordoado, repreendeu-o:

– Meu Deus! O homem é mesmo o desembargador.  Vai lá, pede mil desculpas e entrega a encomenda. Tu acabaste de escapar de ser preso por desacato à autoridade. Seu estrupício. A confusão causada pelo motorista pode ser considerada como racismo estrutural. Está presente na própria estrutura social. Segundo essa concepção, o racismo não seria uma anormalidade ou “patologia”, mas o resultado do funcionamento “normal” da sociedade. Nos nossos dias seria crime de injúria racial e desacato. Provavelmente, o motorista seria preso mesmo. Por confusão, desacato ou por racismo.