sexta-feira, 4 de outubro de 2024
Os que andam com os mortos - entrevista ao Entretextos
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
A poesia é necessária?
Da dor maior
Ernesto Penafort (1936-1992)
líquida é esta noite
em que te encontras distante.
líquida, também,
é esta vontade minha
de te ter nos braços
e amar com toda a força
da minha existência de homem.
belo seria
o momento em que pudesse
de um só golpe sorver-te
mesmo através dos poros
deste corpo que pulsa por ti.
o cântico dos cânticos
não é mais belo do que tu.
e cantar-te, nesta hora,
é para mim o privilégio
que dilata meu coração,
que pulsa por tua vontade,
líquida é esta noite
em que também me umedeço,
orvalhecendo-me por ti,
como se fosse o produto
de um céu sem deuses,
como se fosse o único astro
de um firmamento fechado.
terça-feira, 1 de outubro de 2024
Idalina e os garçons
Pedro
Lucas Lindoso
Minha
respeitável e veneranda tia Idalina é uma pessoa queridíssima. Moradora de
Copacabana, há anos. Todos a conhecem. Os feirantes a veneram. O rapaz da
farmácia tem grande consideração por ela. A moça da banca de revista faz todas
as suas vontades. Na época em que se usava cheques trocava os cheques de titia
por dinheiro sem reclamar.
Há uma
turma que fica apavorada ao vê-la: os garçons. Exceto o Joaquim. Um rapazinho
louro, filho do português dono do self-service no qual ela sempre vai. É
que ela lhe dá generosas gorjetas.
Os
problemas de Idalina com os garçons é antiga. Em Portugal, fez “psiu” para o
garçom. Para piorar, chamou-o de moço.
Era um senhorzinho que lhe passou uma reprimenda:
– Não
sou gato para ouvir “psiu”. Tampouco sou moço.
No que
titia, que não leva desaforo para casa nem para o Brasil, respondeu-lhe.
– Está
se vendo que o senhor é um velhote. E mal educado.
Mas os
problemas de tia Idalina com garçons não fica só nas diferenças culturais. É
que titia é muito exigente. E sempre tem
um senão a fazer. E ao fazer algumas exigências confunde os garçons e os
cozinheiros.
Certa
vez fomos a uma pizzaria. Havia quarenta tipos de pizza. Titia criou a pizza
quarenta e um. Pediu uma portuguesa sem cebola com milho, ervilha e aspargos.
Numa
pastelaria havia vinte tipos de pastéis. Inclusive de frango com catupiri. Ela
quis um só de frango. Sem catupiri. Veio com catupiri. Ela reclamou. O moço disse
que todos os de frango tinham catupiri. E pronto.
Ela
quase teve um troço. Mas acabou comendo com catupiri mesmo.
Na
volta de Portugal, pela TAP, o comissário perguntou-lhe:
–
Frango ou carne, senhora.
Titia
pediu bacalhau. No que o comissário desculpou-se. Só serviam bacalhau na classe
executiva.
Tia
Idalina comentou que os portugueses eram sistemáticos. Custava servir um
bacalhauzinho para ela?!
Nos
restaurantes, as exigências são variadas. Carne ao ponto. Mas bem passada.
Picanha sem gordura. E por aí vai.
Ah!
Essa titia! Terror dos garçons de Copacabana e adjacências. Mas, mesmo assim,
amada por todos.