Amigos do Fingidor

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

A poesia é necessária?

 

O chão do mundo

Thiago de Mello (1926-2022)

 

Rumo nenhum persigo. É quando sigo

as vias do mais trôpego sonhar

ou de fundos e rijos pensamentos,

chego sempre a mim mesmo; o clamor áspero

que me atraiçoa o límpido silêncio,

após ressoar em vão pelas paredes

da gasta e surda concha do infinito,

retorna, feito mágoa, à minha boca.

Não sei dar-me o que busco, se o não tenho.

 

A erva do tempo cresce, suavemente,

não tarda e o chão do mundo me devora.

Por isso quando em mim se faz mais noite,

minha face despida de seus medos

em sua própria treva se contempla,

onde lhe esplende a rude finitude.

 

Em meu ser, resignado, permaneço,

pois se tento fugir-me, eis que me vem

à boca o travo frio do negrume

que existe além de mim, e que me espera.