Entrevistador:
Evaldo Ferreira
Entrevistado:
Zemaria Pinto
1 – Por que você usou o Clube da
Madrugada como referência para o antes, o durante e o depois da literatura amazonense?
R: Na perspectiva que temos hoje, 70
anos depois da fundação do Clube da Madrugada, é que este é um divisor de águas
na literatura feita no Amazonas: há um “antes” e um “depois” do Clube. E
durante 30 ou 40 anos, o tempo da história do Clube, houve um “durante”. O
Antísthenes Pinto dizia que enquanto ele vivesse o Clube existiria. Jorge Tufic
tinha uma posição similar, publicando livros com o selo do Clube até o fim.
Então, peguei essa ideia e coloquei no livro.
2 – O Amazonas tem uma literatura com
características próprias? Se sim, quem seriam seus expoentes?
R: A literatura feita no Amazonas é a
literatura feita no Brasil. Fazemos parte dela, ainda que alguns façam “bico”
para o nosso “regionalismo”. Márcio Souza deixou-nos como legado, pouco antes
de sua morte, um livro pequeno no tamanho mas gigante no conteúdo – Amazônia, Regional e Universal. E ele
começa com a frase clássica de Tolstoi, que cito de memória: “se queres ser
universal começa por pintar a tua aldeia”. Um francês, um inglês ou mesmo um
paulista jamais diria isso. E Tolstoi era então um periférico. Não se iluda: a
padronização é o fim da arte. Sempre que tentaram padronizar o fazer estético
deram um passo para trás na produção da arte.
3 – O Brasil tem ícones nos vários
estilos literários. No Amazonas, quem seriam os ícones: na crônica, no conto,
na poesia e no romance?
R: Essa pergunta repete a anterior.
Desculpe-me. Você sabe quem foi Coelho Neto? Se não, vou lhe dizer quem é
Coelho Neto agora: um escritor esquecido. E já foi considerado um monstro
sagrado, que conviveu com monstros “menores” que ele, como Machado de Assis e
Olavo Bilac. A história da literatura mundial é cheia de exemplos desse tipo.
Shakespeare passou duzentos anos no esquecimento até ser resgatado. Gregório de
Matos, o “Boca do inferno”, morreu no final do século 17 e somente no século 20
se teve notícias dele. A vida é dura, meu caro. Inclusive para os ícones e
canonizados.
4 – O que acha dos(as) escritores(as)
ditos(as) ‘marginais’, que buscam um lugar à sombra, ou que até mesmo preferem
continuar ‘marginais’?
R: A história dessa tendência
“marginal” tem séculos, mas vamos falar do Brasil, segunda metade do século 20,
quando surge uma poesia marginal muito forte, mas também um cinema marginal, uma
música marginal, um teatro marginal etc. Eu conto isso no ensaio sobre os anões
de Márcia Antonelli. Resumo da ópera: marginal é tudo o que o mercado ainda
não absorveu. Quer um exemplo de marginal clássico? Lima Barreto. Hoje, ele
seria um respeitável acadêmico. De minha parte, eu admiro os que assim se
autoproclamam. Sempre fui admirador dos marginais brasileiros, mas tem um
amazonense que é um ícone do movimento há 50 anos: Simão Pessoa, na persona de
quem abraço a todos os marginais das novas gerações.
5 – Quem é, e onde se enquadra o
escritor Zemaria Pinto?
R: Coloco-me como um trabalhador. Eu
não escrevo por reconhecimento ou cargos. Eu escrevo porque tenho uma compulsão
por escrever e isso me ajuda a me manter vivo. E eu me sinto útil. Depois de 28
livros (e mais um no prelo), só penso em organizar minha poesia completa e meu
teatro completo. Com que finalidade, ainda não tenho certeza.
6 – Hoje, vivos, quem você destaca na
literatura amazonense, entre 50+ e jovens iniciantes?
R: Não destaco ninguém, para destacar
a todos. A vida literária não é uma batalha. Particularmente, procuro ser amigo
de todos, embora aqui e ali receba umas pedradas. Mas tenho sobrevivido. Agora,
é preciso entender que, fora da iconicidade (existe isso?) e do cânone, e
deixando de lado o fantasma de Coelho Neto, o futuro só acontecerá quando
estivermos todos irremediavelmente mortos.
7 – Por que esse título ‘Folia no
seringal’ e para qual tipo de leitor seu livro é indicado?
R: “Folia no seringal:
alegoria e paródia em O amante das
amazonas”, de Rogel Samuel. É o título de um dos ensaios pós-Madrugada. Uma
referência a “As folias do látex”, peça de Márcio Souza, e também a Mikahil
Bakhtin, teórico da carnavalização. Só que para ler Rogel eu não uso Bakhtin,
preferi o Joãosinho Trinta.
Quanto ao leitor, eu indicaria, em
primeiro lugar, aos alunos de Literatura. Depois, às pessoas que gostam de
literatura, ainda que não do ponto de vista técnico. Em terceiro lugar, eu indicaria
para quem nunca leu um livro: quem sabe ela encontre uma razão de viver...