Amigos do Fingidor

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Doença como mal

João Bosco Botelho


            O corpo olhado e sentido como expressão de vida impulsiona o ser, pensante e finito, a buscar explicação das mudanças produzidas nele interpretando‑as como antecipação da morte. Ao diferenciar o homem doente do sadio, é inevitável o choque da dupla emoção determinada pelo confronto entre o real e o imaginário que a doença causa no próprio corpo. A primeira é realçada pelo visível e está em relação com a enfermidade (o tumor, a mancha etc.) e a segunda, no exercício mental, procurando interpretar a alteração.

            A experiência ou a possibilidade de sentir dor serve como exemplo. O desconforto doloroso é o componente real. A explicação nascida no sofrimento é profundamente mesclada pelas raízes socioculturais integrantes do imaginário do doente. O conjunto simbólico trabalha para dar sentido e unir o objetivo ao subjetivo. A elaboração lança mão de mecanismos cere­brais, ainda muito pouco conhecidos, capazes de engendrar respostas mentais intimamente relacionadas com o universo mítico do doente. O processo das respostas corporais à dor se amalgama à mitopoiese de cada um e de todos.

            Entre as muitas respostas corporais para superar o sofrimento, destaca-se a organização mítica do MAL, especificamente, formando a objetividade da doença como pre­cursora da morte. Desse modo, viabiliza resposta de grande importância: o invisível se torna visível. Em sequência, a saúde é transformada em BEM e colo­cada em oposição frontal à doença. Por outro lado, o MAL é sempre o outro, localizado fora da ordenação deseja­da, que não o próprio ser.

            A alternância entre ordem (BEM) e desordem (MAL) produzindo doença é o ponto fundamental e o limite que continua permitindo a construção do saber médico fora da subjetividade. Foi assim também que o homem edificou o conhecimento do corpo, desvendando lentamente o escondido atrás da pele. Esse lento processo tornou indispensável a presença do agente espe­cializado para observar e interpretar o MAL, tanto no espaço real como no imaginado.

            Esse personagem – AGENTE DA CURA – é essencialmente normativo e, historicamente, tem se comportado como elo entre o MAL e o BEM, já que é por meio da cura que se dá a passagem de uma situação à outra. A capacidade de desvendar a doença, tornando‑a objetiva e visível, dá ao ato de curar algo de mágico porque está sempre ligado às emoções causadas pelo subjetivismo do MAL como antítese da vida. O principal instrumento legitimador desse poder é o diagnóstico. É por meio do diagnóstico que o curador identifica o MAL para, em seguida, extirpá‑lo. O médico ao diagnosticar o câncer antes de operá‑lo e o pajé reconhecendo o espírito malfeitor para exorcizá‑lo, represen­tam duas medicinas que atuam exatamente com o mesmo objetivo e em espaços diferentes: afastar o MAL.