Noturno
Antísthenes Pinto (1929-2000)
Há um luar azul
percorrendo o meu corpo.
Todas as aves brancas
construíram ninhos no meu coração
e seus cânticos são de
uma tristeza inenarrável.
Vou absorvendo o orvalho
noturno
com a mesma quietude da
árvore curvada no barranco.
Meu maior alimento é o
silêncio
e o deslizar do rio
comumente tranquilo.
A outra metade de mim
vive no espelho
que deforma a minha paz.
Tantas ruas
cruzam-se em meus pés,
tumultuosas, salpicadas de pranto
e seios de todas as cores
e vícios e viços.
As auroras e os
crepúsculos das cidades,
o ar plúmbeo, cinzento
das cidades
arrancaram todo o humor
que eu tinha pelos homens.
(No entanto o sangue
corre nas minhas veias frias).
Ah se a memória se
limitasse ao presente,
todavia, o passado me inunda
a alma
e cicatrizes das mais
torpes
se espalham nos meus
ossos, nos meus nervos,
na minha sombra
espectral, estática sombra roxa.
Meu maior alimento é o
silêncio
e o deslizar do rio,
comumente tranquilo.