Pedro Lucas Lindoso
Em outubro, comemoramos o dia das crianças. E o aniversário
de Manaus, onde passei minha infância.
Muitos como eu estudaram e até sabem de cor o poema “Meus Oito Anos”, de
Casimiro de Abreu. Decoraram pelo menos a famosa primeira estrofe: “Oh! que
saudades que tenho / Da aurora da minha vida / Da minha infância querida / Que
os anos não trazem mais!”
Sempre me chamou a atenção a estrofe que dizia: “Livre filho
das montanhas, / Eu ia bem satisfeito / Da camisa aberto o peito / Pés
descalços, braços nus. /Correndo pelas campinas”.
Só que em Manaus não havia montanhas e nem campinas. Mudamos
para Brasília. Lá no Planalto Central também não há montanhas. Deve ser essa a
razão de me encantar tanto com a paisagem do Rio de Janeiro. O Corcovado, o Pão
de Açúcar, a Pedra da Gávea, os Dois Irmãos. Lindas montanhas.
Se fosse parafrasear Casimiro de Abreu a estrofe ficaria
assim:
Livre filho de ruas e quintais / Eu ia bem satisfeito / Da
camisa aberto o peito / Pés descalços, braços nus / correndo nas chuvas de
Manaus.
E se ficasse gripado e com tosse? Aí tem uma lembrança não
muito poética. Minha mãe preparava uma mistura de copaíba com andiroba. A base
era um remédio vermelho chamado de colubiazol. A mistura era feita numa xícara.
O dedo da minha mãezinha era encoberto por gaze e algodão. Após besuntar o dedo
com a terrível e poderosa mistura, dava a ordem cruel e definitiva.
– Abre a boca!
Então era feita a temida embrocação. Para quem não sabe o que
é embrocação, explico: aplicação de líquido oleoso com fins terapêuticos, em
parte doentes; no caso, nas nossas gargantas inflamadas.
Eu não tinha vontade de fazer embrocação. Eu tinha vontade de
assistir na TV o desenho dos Flintstones quando passava Tom e Jerry. Tinha que
me conformar. Não tinha escolha.
Hoje a meninada toma antibiótico. E podem ficar à vontade em
assistir na TV ou NETFLIX, a qualquer hora, o seu desenho animado favorito. É
só ter vontade.
Sou de um tempo em que os adultos diziam e era verdade:
– Menino não tem vontades.