Amazonidades: gesta das
águas passa por um
livro de poesia, mas é muito mais que isso: é um compêndio de Amazônia, uma
súmula do imaginário dessa região que se espraia por nove países e, no Brasil,
por nove estados, e agora, em domínios de Castela e Leão, funda um virtual
território independente, representado pela poesia de Marta Cortezão.
Ler as trovas de Marta é como remexer uma biblioteca de
sonhos, o imaginário amazônico, onde todo o conhecimento do “povo das doces
águas” está reunido: os acesumes, as comilanças, as leseiras, as caboquices, os
encantados – nossos mitos ancestrais. Marta inventa palavras e, como Drummond,
torna outras mais belas: “Apeixono-me de escama / em noite de virar bicho”;
“canoei todo um rio-mar”; “O que assaranha uma vida?”; “Sevava palavras cruas”;
“e na cólera das horas”; “pois janeirava à tardinha”. São apenas amostras. O
leitor poderá “caniçar” outras dezenas de exemplos brilhantes.
Duas linhas de pensamento são recorrentes: a sensualidade e a
metalinguagem. Às vezes, elas vêm juntas: “A traquinagem do verso / faz vaginar
pensamentos; / então me entrego, de certo, / ao falo afoito do vento.” As metáforas são sempre construídas com
elementos do imaginário: “Pensamentos escamei, / aparei todas as abas, / as
cicatrizes limpei / e salmourei as palavras.” E observem o domínio da métrica e
das rimas – toantes, inclusive.
Senhora de seus elementos, Marta Cortezão revela-se,
sobretudo, senhora de seu ofício.
Zemaria Pinto
(Orelha de Amazonidades:
gesta das águas, de Marta Cortezão)