Entre marços e janelas
é o primeiro livro solo de Letícia Pinto Cardoso, o que não quer dizer que ela
seja uma principiante. Organizadora da série Te conto em contos,
em três volumes, Letícia espalhou contos seus e de outras autoras – mulheres do
mundo! – nas nuvens do ciberespaço. De certa forma, este livro continua a
série, com apenas uma autora, mas a mesma diversidade de vozes: multiplicadas
vozes de inumeráveis eus, pintando, com incômodo realismo, tragédias e dramas
cotidianos nos bairros distantes e na zona rural de uma cidade qualquer, mas
tão familiar...
Esse cotidiano resume-se
em “um hábito dentro de uma rotina toda cheia de outros hábitos”: algo entre as
cores de Hopper e sombras expressionistas. E aí os arquétipos se multiplicam na
mesma proporção das vozes: desde a mulher abandonada com os filhos pequenos
(“uma vida que vale por quatro”), passando pela mancha no teto a arder no
estômago, a casa de subúrbio feita personagem, a velhice no exílio da
realidade, o amor proibido e a morte antecipada – até a suprema interdição,
dita num quase sussurro: “cresci numa casa em que era proibido ter
criatividade”. O horror. O horror.
Entre
marços e janelas é uma antologia do banal cotidiano, que
se anima de nossa solidão, nossos incômodos, tédios, repulsas e medos – e eles
estão aqui, presentes, representados, à espreita, prontos para o assalto fatal,
presas indefesas que somos.
O cotidiano é o horror – com ele, Letícia Pinto Cardoso doma o sortilégio da escrita e domina a alma de suas/seus leitoras/leitores.
Zemaria Pinto,
na orelha