Amigos do Fingidor

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A miragem elaborada – 15

Zemaria Pinto

O homem noturno, a busca da luz

II



Esse tecer infindo constitui-se milagre na proposição que o poeta faz em “À noite”:

                    Mas preservarei a flor.

                    Construirei muralhas,
                    e o tempo e o vento não a destruirão.
                    Quando as tempestades vierem,
                    me aproximarei e a defenderei,
                    para que possa devolvê-la ainda flor
                    à manha.

Não importam os ditadores, não interessa o tempo que lhes reserva o poder, o homem saberá preservar a si até que venha a manhã.

Este poema traduz toda a importância atribuída à noite na obra de Alcides Werk. A noite como caminho inevitável para a luz:

                    Meu coração não se erguerá contra ti,
                    porque és simples,
                    e não conheces o mal que fazes,
                    quando levas a luz.

No poema “À irmã sem amor”, o tema é retomado:

                    a antiga semente do amor
                    foi lançada no coração dos homens.
                    Ela é irmã da manhã


                    Germina no silêncio da noite,
                    mas ao amanhecer será árvore
                    e será fruto.

O amor, a fraternidade, a igualdade entre os homens. Mas o poeta não deixa de alertar contra qualquer possibilidade de radicalismos, avisando que

                    os sinais,
                    tu os conhecerás nos pássaros

No poema “Da espera”, ele renova o aviso:

                    Direi aos pássaros que esperem,
                    enquanto perdurar a ronda dos morcegos.

Esses três poemas constituem a reflexão do poeta sobre o momento político. Sem a dor estampada em “Da noite do rio” ou a quase-alegria de “Canção”:

                    Sou leve, não tenho nada
                    (nem mesmo o medo da morte).

Há a calma, a serenidade de quem sabe o que quer.

                    Há uma grande alegria na espera.

Ele diz em “À irmã sem amor”, para arrematar, na festa dos pássaros, que

                         o labor de tuas mãos limpas
                    será aceito
                    no grande banquete de amor que se prepara
                    para saudar a manhã.

Banquete que se renova a cada aurora na vida do homem amazônico. Como em “Facheação”, o dia clareando:

                    preciso remar ligeiro,
                    que o povo tá me esperando
                    com a peixada pro ajuri.

Ou em “Peixe-boi”, após o sucesso na pesca:

                    Voltar para casa
                    cheio de alegria
                    no romper do dia

A chegada do dia relacionada com a festa da volta para casa: o fim do exílio, a retomada da liberdade, o tempo novo que se anuncia. No poema “Êxodo”, o coroamento dessa ideia:

                    Quero voltar pro meu lago,
                    quero enganar a mentira,
                    assar um peixe na praia
                    e saudar o sol nascente,
                    fazer uns versos pro dia
                    mas nos teus braços, Jupira.