Amigos do Fingidor

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Busca da arqueologia da vida



João Bosco Botelho


Os seres vivos, dos unicelulares ao homem, manifestam-se na natureza em torno da complexa dispersão da multiplicidade das formas e das funções biológicas visíveis e invisíveis. Nessa maravilhosa identificação dos múltiplos, uns mais semelhantes do que outros, porém únicos, que é possível aos sentidos humanos, tanto os inatos quanto os cognitivos, apreender a partir da comparação e, a seguir, reproduzir, modificar e interpretar o observável.
Parece ter sido também por meio do conhecimento historicamente acumulado – a repetição ou a repulsa do visível e do sentido – que nós nos fizemos humanos. A explosão da inteligência humana dá-se na construção de ideias para desvendar o ainda invisível, a partir do processo cumulativo dos saberes.
Se tomarmos como exemplo um grupo de pessoas adultas, ao longe o suficiente para vermos a forma – o corpo –, poderemos caracterizá-lo, sem esforço, como homens e mulheres. Contudo, conforme nós nos aproximarmos, perceberemos que continuam homens e mulheres, porém diversos entre si em cada porção, agora mais perceptível, dos seus corpos.
Hipoteticamente, se essas pessoas fossem submetidas à cirurgia da glândula tireoide, pelo mesmo cirurgião, ele perceberia que todas possuem as tireoides – o órgão – parecidas, porém com as formas diversas, seja no tamanho, na cor, na consistência ou em qualquer outro parâmetro. Mesmo assim, com todas as dissimilitudes de apresentações, na dimensão do corpo, prosseguem como homens e mulheres, e na dimensão do órgão, tireoides, para qualquer observador.
Continuando o desvendar da matéria viva, a mesma e incrível variação continua na dimensão microscópica – a célula. Apesar de as células serem passíveis de reconhecimento como sendo originadas na tireoide, são distintas entre si. Não obstante ainda não dispormos de tecnologia específica, cabe indagar: o mesmo fenômeno que molda o ser vivente e as coisas ocorre também no nível molecular? A célula é formada por milhões de moléculas com formas diferentes e funções.
O que torna mais fascinante o desafio de compreender o corpo humano, na busca da arqueologia da vida, é o fato de a doença reproduzir, nas dimensões macro e microscópicas, um conjunto infinitamente maior da multiplicidade das formas e das funções quando comparado ao corpo considerado “normal”.
A perda do caráter individual dos seres vivos ocorreria na dimensão atômica. Os corpos, órgãos, células e moléculas, “normais” ou “doentes”, mantêm a multiplicidade, porém os átomos que os compõem não teriam diferenças entre si. Esse é o ponto de encontro marcando os limites entre o mundo vivo e a natureza inerte. Isso quer dizer que a ciência admite que os átomos do carbono do diamante são iguais aos dos átomos de carbono das moléculas das células do coração humano.

Neste momento, cabe a pergunta fundamental que continua sendo o paradoxo fundamental da Medicina: em qual dimensão da matéria viva o “normal” se transforma em “doença”?