Pedro Lucas Lindoso
Feriadão em Manaus. No mercadinho do bairro um senhor
esbaforido, com cara de dono do negócio, reclama da vida:
– É sempre assim. Esse pessoal não tem responsabilidade. Não
tem palavra. Fiz uma escala de trabalho nos dias de feriado. Estou pagando hora
extra a 100 por cento. Tudo combinado. Tudo dentro da lei. Não adiantou nada.
Faltaram dois.
Chovia. Argumentei que quando chove é assim mesmo. O caboclo
tem medo de temporal. Veja como está ventando. Isso é uma tempestade tropical.
Ninguém sai de casa. É até perigoso mesmo. No que ele complementou:
– Quando chove, o
caboclo amazonense não vai nem para o enterro dele. Deixa para morrer no dia
seguinte. Depois da chuva. O senhor não é amazonense, eu presumo.
Disse-lhe que era amazonense e filho de amazonenses.
– Não parece, tem cara de gente do sul. O caboclo é muito
preguiçoso. Dizem que o baiano é preguiçoso. Lá na Bahia eles usam a palavra
malemolência. Mas pelo menos o baiano é mais responsável. Aliás, o brasileiro
em geral é preguiçoso. Lembro-me que há muitos anos vi um filme com o finado
Grande Otelo. Macunaíma. Dizem que
ele representava o povo brasileiro. No filme, o personagem Macunaíma dizia o
tempo todo:
“Ai, que preguiça...”
Agora eu faço a pergunta. O senhor é amazonense? Respondeu-me
que era paulista. Mas estava aqui já há alguns anos e já se considerava
amazonense.
– Manaus é uma terra muito boa. Eu gosto daqui, me disse
sorrindo.
Eu lhe disse que sua visão do caboclo é um estereótipo. O
paulista, que parecia ser bom comerciante, mas de poucas letras, argumentou:
– Estereótipo, que nada. É preguiça, meu senhor. Mas o que é
estereótipo mesmo?
Disse-lhe que estereótipo é essa visão generalizada. Uma
imagem preconcebida, depreciativa e sem fundamento que ele demonstrou do
amazonense, do baiano e do brasileiro em geral.
Nesse momento chega um caboclo forte, simpático e sorridente.
Todo molhado. Pediu desculpas pelo atraso. Chovia muito e havia poucos ônibus.
– O senhor tem razão, me disse. O estereótipo acabou de
chegar!