João Bosco Botelho
Os primeiros anos do século 21 estão marcados por
transformações tão profundas e complexas nas práticas da Medicina, quase tudo
consequência do aumento da longevidade, em certos países, em mais de vinte
anos.
O destaque que dominou a segunda metade do século vinte está
centrado na genética, mudando profundamente os conceitos de inseminação
artificial, dos antibióticos, métodos anticoncepcionais, métodos terapêuticos
experimentais, virologia, imunologia, cancerologia, radioterapia,
quimioterapia, vacinas, que forçaram transformações e novas leituras dos
códigos de ética médica.
Ao mesmo tempo, é impossível pensar os tempo atuais sem
relembrar os horrores das duas guerras mundiais e os campos de concentração dos
nazistas e outros de todos os matizes.
Os vencedores da II Guerra Mundial, impactados sob esses
horrores, alguns realizados com a participação de médicos, em novembro de 1946,
em Nuremberg, instalaram o Tribunal Militar Internacional, onde a maior parte
dos oficiais alemães capturados foi condenada à morte, prisão perpétua e outras
penas.
A escolha da cidade de Nuremberg não foi um ato isolado, ao
contrário, estava mesclado de grande valor simbólico, já que naquela importante
cidade alemã ocorreram festividades apoteóticas ao nazismo.
Nesse contexto nasceu o Código de Nuremberg com a humanidade
retornando o caminho da valorização da dignidade humana e da reflexão ética
sobre a vida em torno das pesquisas em seres humanos.
Entre os princípios fundamentais do Código de Nuremberg,
destacam-se:
1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente
essencial;
2. O experimento deve trazer resultados benéficos à
sociedade;
3. O experimento deve ser baseado em resultados de
experimento animal;
4. O experimento não deve causar nenhum tipo de sofrimento ao
sujeito da pesquisa;
5. Nenhum experimento deve ser mantido se houver suspeição de
poder determinar qualquer tipo de invalidez ou a morte no sujeito da pesquisa;
O Código de Nuremberg somente passou a integrar as relações
médico-pacientes nas décadas de 1960 e 1970, por meio da Declaração de
Hensinque I, redigida em 1964, pela 18ª Assembleia Médica Mundial, realizada na
Finlândia.
É importante refletir o enorme alcance desse conjunto
regularizador nas práticas das pesquisas médicas porque se aceitarmos a
pós-modernidade, como sugere Jean François Lyotard, moldada no desencanto aos
meta-relatos universalizantes, será inevitável o repensar o enquadramento
metafísico de palavras-sentimentos: “razão”, “sujeito”, “totalidade”, “verdade”
e “progresso”.
Se as sociedades continuarem seguindo o mesmo curso na
ciência e na tecnologia, as relações de conhecimento, incluindo as éticas,
ficarão entre o antagonismo entre dois outros mundos: o desenvolvido e os em
desenvolvimento, separados pela produção tecnológica, oriunda do trabalho nos
laboratórios de pesquisa.
Ao abordarmos a pós-modernidade da Medicina sob esse enfoque
técnico-científico, veremos com transparência que o pilar sustentador está
fincado na aquisição de um saber – a engenharia genética – vendido ou negado
pelos países em desenvolvimento, de acordo com as conveniências político-econômicas.
Nesse complexo conjunto, a Medicina nos países desenvolvidos
está se afastando das classificações morfológicas das doenças para usar a
engenharia genética na busca de soluções para os problemas de saúde, entre
outras, câncer, doenças degenerativas e o envelhecimento.
Ao contrário, a Medicina do subdesenvolvimento, ainda
continua empenhada, com muita dificuldade, no estudo da morfologia celular,
bacteriana, oriunda do século 17, sempre alterada pela desnutrição crônica e
pelas doenças infectocontagiosas que dizimam milhões de crianças por ano.
Na atualidade, a Medicina é um grande trem caminhando velozmente
em direção aos laboratórios do genoma humano, dividindo claramente os mundos
desenvolvidos dos subdesenvolvidos.