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quinta-feira, 28 de junho de 2018

Medicinas desiguais dividindo o mundo



João Bosco Botelho


Os primeiros anos do século 21 estão marcados por transformações tão profundas e complexas nas práticas da Medicina, quase tudo consequência do aumento da longevidade, em certos países, em mais de vinte anos.
O destaque que dominou a segunda metade do século vinte está centrado na genética, mudando profundamente os conceitos de inseminação artificial, dos antibióticos, métodos anticoncepcionais, métodos terapêuticos experimentais, virologia, imunologia, cancerologia, radioterapia, quimioterapia, vacinas, que forçaram transformações e novas leituras dos códigos de ética médica.
Ao mesmo tempo, é impossível pensar os tempo atuais sem relembrar os horrores das duas guerras mundiais e os campos de concentração dos nazistas e outros de todos os matizes.
Os vencedores da II Guerra Mundial, impactados sob esses horrores, alguns realizados com a participação de médicos, em novembro de 1946, em Nuremberg, instalaram o Tribunal Militar Internacional, onde a maior parte dos oficiais alemães capturados foi condenada à morte, prisão perpétua e outras penas.
A escolha da cidade de Nuremberg não foi um ato isolado, ao contrário, estava mesclado de grande valor simbólico, já que naquela importante cidade alemã ocorreram festividades apoteóticas ao nazismo.
Nesse contexto nasceu o Código de Nuremberg com a humanidade retornando o caminho da valorização da dignidade humana e da reflexão ética sobre a vida em torno das pesquisas em seres humanos.
Entre os princípios fundamentais do Código de Nuremberg, destacam-se:
1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial;
2. O experimento deve trazer resultados benéficos à sociedade;
3. O experimento deve ser baseado em resultados de experimento animal;
4. O experimento não deve causar nenhum tipo de sofrimento ao sujeito da pesquisa;
5. Nenhum experimento deve ser mantido se houver suspeição de poder determinar qualquer tipo de invalidez ou a morte no sujeito da pesquisa;
O Código de Nuremberg somente passou a integrar as relações médico-pacientes nas décadas de 1960 e 1970, por meio da Declaração de Hensinque I, redigida em 1964, pela 18ª Assembleia Médica Mundial, realizada na Finlândia.
É importante refletir o enorme alcance desse conjunto regularizador nas práticas das pesquisas médicas porque se aceitarmos a pós-modernidade, como sugere Jean François Lyotard, moldada no desencanto aos meta-relatos universalizantes, será inevitável o repensar o enquadramento metafísico de palavras-sentimentos: “razão”, “sujeito”, “totalidade”, “verdade” e “progresso”.
Se as sociedades continuarem seguindo o mesmo curso na ciência e na tecnologia, as relações de conhecimento, incluindo as éticas, ficarão entre o antagonismo entre dois outros mundos: o desenvolvido e os em desenvolvimento, separados pela produção tecnológica, oriunda do trabalho nos laboratórios de pesquisa.
Ao abordarmos a pós-modernidade da Medicina sob esse enfoque técnico-científico, veremos com transparência que o pilar sustentador está fincado na aquisição de um saber – a engenharia genética – vendido ou negado pelos países em desenvolvimento, de acordo com as conveniências político-econômicas.
Nesse complexo conjunto, a Medicina nos países desenvolvidos está se afastando das classificações morfológicas das doenças para usar a engenharia genética na busca de soluções para os problemas de saúde, entre outras, câncer, doenças degenerativas e o envelhecimento.
Ao contrário, a Medicina do subdesenvolvimento, ainda continua empenhada, com muita dificuldade, no estudo da morfologia celular, bacteriana, oriunda do século 17, sempre alterada pela desnutrição crônica e pelas doenças infectocontagiosas que dizimam milhões de crianças por ano.
Na atualidade, a Medicina é um grande trem caminhando velozmente em direção aos laboratórios do genoma humano, dividindo claramente os mundos desenvolvidos dos subdesenvolvidos.