Francisca de Lourdes Louro
Gosto muito de ver a imensidão das águas, me reflito nessa
“maioridade” quando, nesta época, os rios avolumam-se em grande extensão. No
entanto, as plantações não escapam da força destruidora das enchentes. Mas é
nesse dilúvio anual que nos fortalecemos.
As águas trepam nas viçosas plantações, depenam a terra toda
que braços fortes tinham roçado para a obra da produção do alimento. E alguns
interioranos veem o lar, que imaginavam estar fundado longe da bela intrusa,
ser alagado, ou ser desfeito, e a grande toalha impura dobra-se em desmandos
divinos. Meu Pai fugiu dessa sina. Trouxe na bagagem a vontade de uma vida
melhor para as muitas filhas, que hoje reconhecem nessa fuga a bendição da
vida. É, sou interiorana com muita honra. Primeiro, aprendi a remar uma canoa,
agora dirijo outras montarias para realizar os sonhos de “Mundinho”, meu pai.
A beldade chega de mansinho, começa em janeiro e vai se
desdobrando até junho, vai se mostrando para o futuro, pouco a pouco intumesce
o ventre, é como a mulher gestando os filhos, e depois de jorrar-se, recolhe-se
para no outro ano voltar, e isso é infinito, graças a Deus, sempre será. A
natureza cíclica gera em nós, amazônidas, esse reverso de sim e não, essa é a
sabedoria de saber esperar, chegar e ir embora.
No entanto,
desculpem-me a heresia, mostramos um projeto para ser aprovado pelo Senhor de
toda Engenharia Universal, que já foi apresentado pedindo para que ELE permita
que sejamos mais complacentes, e tolerantes com a natureza de todas as águas.
Que as mãos não joguem para o chão a maledicente sujeira perversa que nos
alcunha de preguiçosos, que as mãos preservem, plantem o amor pela natureza,
que as mãos abençoem a terra e as águas, onde habitamos, pois só nós somos
capazes de destruir a nossa própria casa.