Amigos do Fingidor

terça-feira, 18 de junho de 2019

Tudo era assim, despacito...



Pedro Lucas Lindoso


A jovem filha de meu amigo André cantou e dançou muito a música “Despacito”.  Até que, um dia, simplesmente Luana não a cantou mais. André pensou que a garota levaria pelo menos uns três meses cantarolando e dançando a canção de letra em espanhol. Eu levei anos e anos cantarolando “Pela luz dos olhos teus”, de Tom Jobim, cantado pela Miúcha, me disse André.
André reclamava que a filha trocou novamente de celular! É assim, hoje em dia. Tudo fica velho rápido. O celular, as músicas, as fotos. Antes tínhamos que esperar pela revelação de fotografias tiradas em máquinas exclusivamente fotográficas.  Rezando para que não “velassem”. Uma semana para receber aquelas trinta e seis fotos que contavam tudo sobre as férias de todo o verão. Luana havia tirado milhares delas e nunca revelou nenhuma. É tudo rápido e supérfluo.
Os celulares incorporam-se ao corpo das pessoas. São usados em todos os locais. Escolas, igrejas, hospitais, na rua, nos centros de compras, no cinema, nos banheiros. Enfim, o celular é usado em todos os lugares indistintamente. As pessoas sorriem, se espantam, ficam tristes unilateralmente, sem muitas vezes compartilharem fisicamente suas emoções com outras pessoas.
 André me disse que desistiu de usar o celular. Começou a ter taquicardia. Não aguentava mais. O tal de WhatsApp. Havia dois grupos familiares em que as notícias, “fakes” ou não, estavam sendo compartilhadas, semeando discórdia entre irmãos, cunhados, sobrinhos e primos.
Havia um tempo em que as notícias vinham pela boca do povo. Num português pausado, coloquial e gostoso.  Independentemente do falar ser correto ou não. Hoje as notícias chegam pela internet, com uma linguagem mais rápida, em sinais como se fossem hieróglifos modernos. Os termos reduzidos ou em abreviaturas suspeitas. E rápido. Muito rápido. Mais rápido que rapidamente.
Há ainda as notícias veiculadas nas redes sociais, impregnadas de muito ódio aos que pensam diferente do grupo emissor. Ou então mentirosamente melosas, com desejos de sucesso e felicidades copiados de outros compartilhamentos. Virtuais, mas, paradoxalmente, de uma falsidade real.
Luana havia perguntado ao André como era a vida quando ele era pequeno. André respondeu que a vida era tudo mais devagar. Devagarzinho como na música que Luana ouvia e não ouve mais. Tudo era assim, despacito...