Amigos do Fingidor

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

A poesia é necessária?



Marília de Dirceu
Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809)

35

Esprema a vil calúnia muito embora,
entre as mãos denegridas e insolentes,
os venenos das plantas
e das bravas serpentes;

Chovam raios e raios, no meu rosto
não hás de ver, Marília, o medo escrito,
e medo perturbado,
que infunde o vil delito.

Podem muito, conheço, podem muito,
as fúrias infernais, que Pluto move;
mas pode mais que todas
um dedo só de Jove.

Este Deus converteu em flor mimosa,
a quem seu nome dera, a Narciso;
fez de muitos os astros,
qu’inda no Céu diviso.

Ele pode livrar-me das injúrias
do néscio, do atrevido, ingrato povo;
em nova flor mudar-me,
mudar-me em astro novo.

Porém se os justos Céus, por fins ocultos,
em tão tirano mal me não socorrem,
verás então que os sábios,
bem como vivem, morrem.

Eu tenho um coração maior que o mundo,
tu, formosa Marília, bem o sabes:
um coração, e basta,
onde tu mesma cabes.