Ancestralidade
Tainá Vieira
I
De
meu ventre saem versos,
concebidos
na agonia do existir.
Expulsos
em meio à dor e à alegria,
ainda
que nascidos de mim,
não
me pertencem.
Deixo-os
livres,
vão
por aí sem rumo e sem rima,
à
procura de ritmos e imagens
que
possam lhes dar abrigo.
Pois
a natureza
não
me fez mãe à sua imagem.
Fez-me
oca,
fez-me
louca,
tal
Medeia,
cujos
filhos assassinou,
por
não controlar o seu instinto
e
nem medir o seu amor.
II
escrevo
não
com a alma de um artista
tampouco
escrevo com a paixão de um poeta
procuro
palavras soltas
para
escrever no chão úmido
com
as pontas dos dedos
os
mais sórdidos segredos
trancados
no coração de uma mulher
traços
essas linhas
com
o vermelho sangue
extraído
da entranha
do
meu ser selvagem
herdado
de minha avó
se
escrevo
não
por prazer
ou
por querer
dou
luz à agonia
que
cresceu em mim
gestada
por anos
por
séculos
desde
o dia em que Eva
descobriu
seu corpo nu
III
Esta
mão que escreve versos,
corta
o alho e a cebola
diariamente;
lava
o peixe,
tempera
a carne,
amassa
o pão;
separa
as frutas,
os
legumes
e
as sementes.
Essa
mão,
não
é de poeta ou de chef.
É
mão de mulher,
de
Sônias e de Marias
que
vivem perdidas na rotina
sobrevivendo
à sina
de
cozer e escrever muitas histórias
até
o dia em que suas memórias
não
souberem mais distinguir
luz
e escuridão.
IV
o
poema
que
escrevo
não
pretende
e
nem almeja
inspirar
alguém
o
verso livre
que
a minha caneta desenha
sem
ritmo e sem imagem
marca
apenas a passagem
do
pensamento meu
fabricado
em noite fria
na
minha mente inquieta
que
busca na palavra
a
sua alma
de
poeta