domingo, 15 de setembro de 2024
quinta-feira, 12 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
Certos
amores
Astrid
Cabral
Afirmo:
certos amores
são manhãs
no infinito.
A luz em
ritmo lento
não conduz
ao sol a pino.
Certos
amores se espraiam
sem pressa
assim sonolentos
por
intérminas estradas.
Sossegam
secretos. Dormem
sob chaves
de silêncio.
Vacinados
contra o efêmero
recolhem-se
disfarçados
sob véus de
negligência
latejando na
reserva.
Certos
amores não crescem.
Hibernam
pura promessa
de fogo a
arder. Aguardam
só que o
fósforo do acaso
risque a
fagulha da chama.
terça-feira, 10 de setembro de 2024
A finitude da vida
Pedro Lucas Lindoso
Maurilio
faleceu recentemente. Instintivamente havia desenvolvido um carinho especial
por Maria Helena. Um querer bem que, mesmo sem que fosse planejado,
substituiria a ausência de seu cunhado e amigo Ernani. O avô falecido de Maria
Helena.
Então, numa
manhã ensolarada e quente de agosto, Maria Helena, com olhos curiosos e cabelos
cacheados, acordou, como sempre, com um sorriso no rosto. Mas naquele dia, algo
estava diferente. O burburinho da casa, que normalmente a fazia ficar animada,
parecia misturado a algo triste.
“A
mamãe e vovó estão chorando”, pensou Maria Helena, enquanto descia as escadas.
Ao chegar à sala de estar, viu a mãe sentada no sofá, com as mãos cobrindo o
rosto. Ao lado dela sua avó e seu pai. Depois chegou sua irmã Malu.
As
pessoas falavam de seu tio Maurilio. Maria Helena e sua irmã Maria Luísa amavam
o tio Maurilio. Ele sempre contava histórias engraçadas. Maria Helena adorava
seu jeito carinhoso.
“Por
que a mamãe e a vovó choram?”, perguntou Maria Helena com a inocência de uma
criança que não entende a gravidade da situação. A resposta veio em forma de um
abraço apertado: “Ele se foi, minha querida. Ele está no céu agora”.
Maria
Helena ficou confusa. “O tio Mauro foi viajar?”, perguntou, olhando pela porta
da varanda em busca de algum sinal dele. O céu estava azul, repleto de nuvens
brancas. Para ela, isso significava que ele poderia voltar a qualquer momento.
Trazendo seu picolé de tapioca. As horas passaram e Maria Helena continuou a
fazer perguntas. “Quando o tio Mauro vai voltar?” e “Ele está brincando com as
estrelas?”. Sua família tentava explicar a morte, mas as palavras soavam
estranhas e pesadas para ela.
Ela vai
à casa de tio Mauro e tia Anne. Moram na casa vizinha. Procura incessantemente
por ele. É de partir o coração.
Maria
Helena agora acredita que o tio virou estrela. Para ela, a perda não significa
apenas um adeus, mas uma nova forma de conexão. A primeira lição sobre a vida e
a morte havia sido plantada em sua mente inocente.
Maria
Helena, através dessa experiência, trouxe um novo significado à dor de sua
família, lembrando a todos que o amor nunca morre. E aqueles que amamos continuam a viver em
nossas memórias e nossos corações.
P.S.: Os sinceros sentimentos do cronista aos familiares e amigos de
Maurilio Saraiva Cavalcante.
domingo, 8 de setembro de 2024
quinta-feira, 5 de setembro de 2024
A poesia é necessária?
Meu cavalo chegou
Farias de Carvalho (1930-1997)
Meu cavalo chegou (memória e nuvem),
a aurora derramada sobre a crina.
Meu cavalo chegou. Fome de tudo
estou também: engoliremos mundos.
Meu cavalo chegou. E, pressentidos,
os caminhos me espiam de suas rédeas.
Meu cavalo chegou. Há quanto tempo
gasto-me em pés e olhos nesta espera...
Meu cavalo chegou. Eu despertava
quando o vento falou-me de seus cascos
e a poeira garantiu-me sua presença.
Meu cavalo chegou. Cumprir-me-ei.
Tanta gente cansada nessas cruzes...
Meu cavalo chegou. Mortos, montai!...
terça-feira, 3 de setembro de 2024
Ao vencedor, os tucumãs!
Pedro Lucas Lindoso
Estamos
novamente em período eleitoral. Os candidatos se digladiam. Nos dias atuais, o
ringue de ofensas e vilipêndios mútuos entre os candidatos ocorre pela
internet. Fui filho de candidato e de político. Não é fácil ouvir ofensas ao
seu pai. Principalmente quando você é criança e tem seu pai como herói.
Não
havia internet. As ofensas vinham em cartas anônimas. E as acusações, em
comícios, onde a disputa estava mais na oratória do que em trocas de farpas.
Mas havia o lado bom das campanhas. Eu gostava muito das viagens de barco pelo
interior.
Certa
vez chegamos num município onde havia muitos curumins da minha idade. O então
candidato distribuiu um saco de bolinhas de gude entre a meninada filhos de
potenciais eleitores.
O filho
do candidato, no caso eu mesmo, era curumim da cidade. Expert, modéstia à
parte, no jogo da peteca. Coube a mim ensiná-los a jogar. Alguns conheciam o
jogo. Mas jogavam de maneira diferente.
E
pasmem! Jogavam com bolinhas feitas de caroço de tucumã! Bem mais leves que as
bolinhas de gude. Mas fiquei encantado com elas. Os curumins descascam o fruto
e comem. Em seguida, raspam o excesso da polpa que restou e lixam o caroço. A
peteca de tucumã está então pronta.
Assim
como eu me encantei com as petecas de tucumã eles se encantaram com a variedade
de bolinhas de gude dadas pelo candidato. No caso, meu pai.
E fomos
ao jogo. Os jogos de petecas são baseados no seguinte princípio: o jogador deve
lançar a peteca rolando no chão para alcançar as petecas dos adversários,
posicionadas em um espaço delimitado por um círculo, uma linha, um buraco, um
triângulo, ou qualquer outro valor definido pelos jogadores, dependendo do
terreno.
Eu, garoto da capital, defini as regras do
jogo. Cada jogador tem seu próprio saco. O candidato havia distribuído cerca de
uma dúzia para cada curumim. As petecas são tidas como um tesouro de grande
valor, avaliado pela cor e material. O objetivo é tomar todas as petecas dos
outros jogadores. As bolinhas podem voltar no final do jogo se for uma falsa
partida. Se for verdadeira, o vencedor fica com todas as bolinhas.
Ganhei
todas. O jogo era de verdade. Quando o candidato viu que eu havia ganho todas,
mandou eu devolver. Então eu disse que estava devolvendo porque as partidas
eram falsas. Só valeu as de tucumã! Então, ao vencedor, os tucumãs!