Amigos do Fingidor

quinta-feira, 12 de junho de 2025

A poesia é necessária?

 

Mar e Lua

Chico Buarque

 

Amaram o amor urgente

As bocas salgadas pela maresia

As costas lanhadas pela tempestade

Naquela cidade

Distante do mar

 

Amaram o amor serenado

Das noturnas praias

Levantavam as saias

E se enluaravam de felicidade

Naquela cidade

Que não tem luar

 

Amavam o amor proibido

Pois hoje é sabido

Todo mundo conta

Que uma andava tonta

Grávida de lua

E outra andava nua

Ávida de mar

 

E foram ficando marcadas

Ouvindo risadas, sentindo arrepios

Olhando pro rio tão cheio de lua

E que continua

Correndo pro mar

 

E foram correnteza abaixo

Rolando no leito

Engolindo água

Boiando com as algas

Arrastando folhas

Carregando flores

E a se desmanchar

 

E foram virando peixes

Virando conchas

Virando seixos

Virando areia

Prateada areia

Com lua cheia

E à beira-mar

 

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Apresentação de Fragmentos de Silêncio

 Simão Pessoa[*] 


Quando a gente lê esses Fragmentos de Silêncio, do Zemaria Pinto, a sensação que se tem – a mais imediata – é de intensa alegria. Não que o poeta seja um cândido otimista incurável e que passe o tempo todo afirmando que esse é o melhor dos mundos possíveis. Não se trata disso. Refiro-me a uma alegria que está nas frases, nas palavras, independente às vezes até do que ele está dizendo. Uma alegria de dizer as coisas, de misturar sensações e pensamentos, fatos de agora e de ontem – um exercício pleno de liberdade.

Zemaria Pinto tem uma curiosa maneira de encarar a realidade marrom glacê e a partir daí construir seus poemas. Melhor ainda: de escrevê-los, porque a palavra construir não expressa com propriedade esse desenrolar tão solto da linguagem, que é a maneira que ele tem de dizer as coisas. É uma maneira simples, entendam bem, que não é, rigorosamente, simples. Sua naturalidade consiste em manter a linguagem no nível coloquial, valendo-se não apenas de formas comuns de falar, mas também da matéria cotidiana, vulgar às vezes, parte da experiência de todo mundo. Não é fácil, porém, o processo de organização dessa matéria. E daí que a espontaneidade do discurso esconde uma complexidade de elaboração e uma maestria sublimes: um domínio que não é habilidade em lidar com palavras, ou não é apenas isso, porque as palavras, em seus poemas, não são objeto de manipulação, ou raramente o são. Zemaria domina a linguagem na medida em que se identifica de tal modo com ela que, quando escreve, a linguagem é seu jeito de ser, de fazer-se e refazer-se, de inventar-se, recuperar-se. Pois é assim, acredito, que sempre se dá o milagre da poesia, de um modo pessoal e intransferível, próprio de cada poeta.

Os poemas de Zemaria Pinto, apesar de rigorosamente artesanais, estão isentos daquele formalismo borocoxô e meio senil que faz a glória das academias de letras e dos grêmios literários parnasianos. Não refletem, ou melhor, não demonstram qualquer preocupação com a coerência e a concisão. Nem com a originalidade pós-retrô que, quando obsessiva, conduz ao empobrecimento e ao hermetismo – doença de alguns maus poetas que concebem a poesia como algo distante da realidade comum e, portanto, distante das pessoas. E isso, exatamente, é o que não acontece com Zemaria Pinto: ele se sabe vivendo a mesma vida de todos e é dessa vida comum que ele desentranha o poema, na base do fórceps ou da porrada.

Vou mais longe: a exemplo dos poetas da Geração Beat, ele não quer desligar os poemas desse mundo banal, antes evita que isto aconteça, misturando sua linguagem de poeta com a linguagem do dia-a-dia, citando frases de conversas que, no conjunto do poema, revelam sua universalidade. Nesse contexto, ele também mistura a experiência excepcional, impactante, à experiência banal – o contexto cotidiano onde a poesia fulge de repente, como fulge de repente no contexto banal da linguagem. Não há uma coisa sem a outra: a poesia nasce do prosaico, a originalidade, do vulgar.

Dentro desse arco-íris de cores quentes – em que se confundem o insondável e o pé no chão – Zemaria pinta e borda, bebe e trepa, ama e trabalha, destila angústias e humor ferino, para realizar uma poesia cristalina, sem concessões à babaquice ou ao regionalismo piegas. Uma poesia que, por isso mesmo, desenvolve-se à margem dos grandes dramas sociais, mas que nem por isso deixa de ser tão atual quanto amazônica.

  Mesmo que uma declaração dessas pareça pretensiosa ou que provoque choros e ranger de dentes na fogueira das vaidades barés, considero o Zemaria Pinto o poeta mais lúcido, brilhante e talentoso da minha geração, o que não é pouca porcaria.

Lendo esses Fragmentos de Silêncio vocês vão descobrir o porquê. 




[*] Publicado nas duas edições do livro: em 1995 e em 1996, pela EDUA.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Classificados de outrora

Pedro Lucas Lindoso

 

A expressão “anúncios classificados” tem sua origem na maneira como esses anúncios eram organizados e apresentados nos jornais tradicionais.  Com o crescimento da imprensa, os jornais começaram a incluir anúncios comerciais e pessoais para atender às necessidades da sociedade. Como a quantidade de anúncios aumentava, tornou-se necessário uma forma de organizar essas informações de maneira fácil para os leitores.

A palavra “classificados” veio do fato de os anúncios serem agrupados por categorias específicas, como imóveis, empregos, veículos, serviços, entre outros. Essa organização foi popularizada nos jornais de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos.

 Os jornais começavam a criar seções específicas para diferentes tipos de anúncios, e essas seções passaram a ser chamadas de “classified ads” (no original em inglês). No português, esse termo foi adaptado como “anúncios classificados”, referindo-se justamente a esses agrupamentos por categorias.

O Jornal do Commercio de 1 de março de 1965, há sessenta anos atrás, ainda não utilizava a expressão “classificados”. Mesmo porque a página dedicada aos anúncios dividia-se em ANÚNCIOS POPULARES de um lado e COMERCIO E NAVEGAÇÁO do outro. E era tudo junto e misturado. Oferta de empregos para empregadas, amas, copeiras e pracistas. Vendiam-se coisas que hoje muitos não conhecem: Lambretas, Simca tufão, Carros DKW e, claro, os inesquecíveis Volkswagen. Uma eletrola Franklin e a coleção completa do Tesouro da Juventude.

A Usina Rian, localizada na Av. Floriano Peixoto, 79, anunciava a venda de SAL. Assim mesmo, em “caixa alta”. Vários pequenos anúncios de BACARDI, o melhor ron do mundo. Outros minis anúncios de suco de frutos “MAGUARY”. Uma delícia para toda a família. Esses parecem que sobrevivem até os dias de hoje.

Alguém na Leonardo Malcher vendia uma máquina de costura Long-Life, em perfeito estado. Outro vendia um barbeador elétrico Remington e um rádio Semp. Ambos seminovos e em perfeito estado. Tratar na Av. Joaquim Nabuco, a qualquer hora do dia e sábados e domingos. A venda devia ser mesmo urgente.

O Dr. Oswaldo Gesta, que foi obstetra de minha saudosa mãe, anunciava sua prestigiada clínica de ginecologia e obstetrícia à Rua Barroso, 62.

Na área de navegação, A Comissaria de Despachos Reis, agentes em Manaus de Joaquim Fonseca e Companhia, listava seus navios mercantes: URÁNIA, TAUETÉ, TAUASSU e EDUARDO. Todos motorizados e aceitando carga para Porto Velho e Belém.

E, last but not least, THE BOOTH STEAMSHIP COMPANY LIMITED, a conhecida BOOTH LINE, com sede em Liverpool. O Navio DENIS chegaria no dia 20 de março, proveniente de Liverpool e dia 24 do mesmo mês partiria de volta para Rotterdam e Liverpool. Já o VERAS, procedente de New York, faria parada em Manaus com destino a Iquitos no Peru. O VAllIENTE também vindo de New York atracaria em Manaus e dois dias depois zarparia de volta para New York. Os amazonenses tinham linha direta para os Estados Unidos e Europa. Não necessitavam descer para o Rio de Janeiro ou São Paulo. Bons tempos. Hoje, os anúncios praticamente sumiram dos grandes jornais. Agora tudo é pela internet. Outros tempos.



domingo, 8 de junho de 2025

quinta-feira, 5 de junho de 2025

A poesia é necessária?

 

Três haicais de primavera

Gracinete Felinto


 

Na estação das flores,

belas manhãs de setembro.

Borboletas dançam.



Nas paredes, flores

descem enfeitando o prédio,

início da estação.

 


No vaso, uma flor

dedicada à estação.

Lá fora, perfume.



terça-feira, 3 de junho de 2025

Como se tornar amazonense

Pedro Lucas Lindoso

 

Uma jovem me pediu uma mentoria. Achei aquilo inusitado. O que seria uma mentoria? Então você quer que eu lhe dê conselhos? Ela me disse que sim. Gostaria que eu a ensinasse a ser amazonense. Estranho isso. Perguntei-lhe o motivo. Ela disse que preferia não contar. Mas que aguardava ansiosa por meus conselhos. Minha mentoria. Disse-lhe que de fato era amazonense e filho de amazonenses. Mas que havia vivido por mais de trinta anos em Brasília. Talvez estivesse um pouco descaracterizado. Ela me disse que justamente por isso eu faria uma boa mentoria. Por ter sido exposto a outras vivências.

Disse-lhe então que poderia lhe dar algumas dicas. Não seria nem mentor nem conselheiro. Teríamos um prazeroso bate-papo. E comecei dizendo que deveria gostar de tacacá, de farinha do Uarini, pimenta murupi e caldeirada de peixe. Sim, deveria saber ticar um peixe. Informou que já gosta de peixe, tacacá e pimenta.  Mas não sabia ticar peixe. Ficou de aprender com a sua cozinheira já no dia seguinte.

Pareceu-me bem determinada. Já sabia o básico. Deveria ir ao centro, merendar ovo coberto com suco de maracujá. Pedir do vendedor uma coxinha de massa de mandioca e recusar a coxinha de trigo. Não chamar bombom de bala. Bala só de cupuaçu ou castanha. Chamar cabide de cruzeta, menino de curumim e menina de cunhatã. Se você não souber o nome do porteiro ou do zelador, pode chamá-lo de “seu menino”. Se no Sul fala-se vigiar o carro, aqui é reparar. A gente repara crianças também. E repara também outras coisas. O que deve e o que não deve.

 Pode-se usar a expressão “telezo” entre amigos. Mas acusar alguém de leseira baré pode ser constrangedor. Amazonense gosta de tomar banho de chuva quando criança. Mas quando adulto, se chove muito, chama a chuva de toró, nunca tempestade. E fica em casa. Não sai nem para ser enterrado. Deixa para o dia seguinte.

Tem que torcer por um boi. Se for Garantido, evitar vestir a cor azul e nem pronunciar o nome do Caprichoso. Dizer que é o boi contrário. Gostar mais de toada de boi do que samba, gostar de praia de rio e banho de igarapé.

Ser amazonense raiz é mais do que nascer na maior floresta tropical do mundo. É mergulhar de cabeça na essência de uma cultura riquíssima. É preciso aprender a respeitar e valorizar a floresta. Não basta admirar sua beleza de longe; é preciso entender seu ritmo, sua riqueza e diversidade.

Um verdadeiro amazonense se orgulha de sua história. Conhece as lendas indígenas, as histórias dos seringais, o valor da floresta para a sobrevivência de todos. Sabe receber as pessoas com um sorriso, dividir um peixe assado na beira do rio.

Ser amazonense raiz também implica em estar conectado com a natureza de maneira consciente. Valorizar os rios, as matas, os animais. Defender a floresta e seus povos, porque ela é nossa fonte de vida e identidade.

 É preciso amar esta terra de verdade — com orgulho, com coragem, com esperança. Porque ser amazonense é muito mais do que uma origem; é uma atitude de amor. E assim, quem abraça essa essência, vive e respira a alma do caboclo, torna-se, de fato, um verdadeiro amazonense.

 

domingo, 1 de junho de 2025

quinta-feira, 29 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

A mão do vento na savana

João Maria Vilanova (1933-2005)

 

Que voz perpassa

em teu dorso quando

a noite

passos-de-onça

se aproxima?

Memória de areais

Negras falésias?

Se te escutando

paciente é o trabalhar

de onda.

Eflúvios frémito

um deus muíla que subisse

monandengue

só da raiz do sangue.

 

– Ah inteiro é teu dorso ó ngana

inteiro é teu dorso

para meus sentidos.



terça-feira, 27 de maio de 2025

Paz no trânsito

 Pedro Lucas Lindoso

 

Chico Buarque dramaticamente relata em sua música “Construção” a morte de um operário na contramão, atrapalhando possivelmente o trânsito e literalmente o “sábado”.  O Maio Amarelo foi criado pela ONU com a proposta de chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortos e feridos no trânsito em todo o mundo.

Nossa Manaus, diferente da floresta que nos cerca, tem o ritmo frenético das cidades grandes. Estar em qualquer das grandes avenidas da cidade é sempre uma corrida contra o tempo. As avenidas e ruas manauaras são sempre campos de batalha silenciosos entre o desejo de chegar rápido e a necessidade de preservar vidas — a nossa e a do próximo.

E então as tragédias acontecem. Batidas de toda sorte, capotamentos e atropelamentos. Causando mortes ou vítimas com sequelas graves. No Brasil, temos a Rede Hospitalar Sarah. Fundada por dona Sara Kubitschek, esposa de JK, um dos melhores presidentes que tivemos. A rede Sarah é referência em atendimentos em ortopedia e reabilitação do aparelho locomotor.

Penso que essa expertise se desenvolveu, não por acaso, num país com tantas vítimas de trânsito. Posso estar enganado. Mas muitos que chegam à Rede Sarah são acidentados nesse nosso trânsito caótico e perigoso.

Mas agora, convido o leitor a imaginar uma Manaus onde a paz reina nas ruas, onde motoristas e pedestres trocam olhares de compreensão, ao invés de olhares de desafio ou impaciência. Eu nasci e vivi a infância nessa Manaus. Uma cidade onde havia menos mortes nas ruas e avenidas, menos perdas irreparáveis. Claro que a quantidade de automóveis era infinitamente menor. A cidade era pequena. Andava-se à pé. O lugar mais longe do Centro era o Japiim.

 Hoje a realidade é outra. Cada vida que se vai é uma história interrompida, um sonho que fica pelo caminho. E se, ao invés de acelerarmos nossos carros, acelerássemos também a nossa consciência? Respeitar os limites, usar o cinto, não dirigir sob efeito de álcool ou drogas. Educação no volante, fiscalização justa, campanhas de conscientização – tudo isso é o caminho para uma mudança real. Para que o som das sirenes não seja mais uma rotina, mas uma lembrança de que vidas valem mais do que pressa.

Que possamos desejar, de coração, um trânsito mais pacífico. Menos mortes, mais esperança. Pois, no final, todos queremos chegar bem ao nosso destino. E essa paz no trânsito começa dentro de cada um de nós.


domingo, 25 de maio de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXIV


Vista aérea do Roadway.


 

quinta-feira, 22 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

O ópio do povo

Henrique Duarte Neto

 

No passado, o ópio do povo

era a igreja.

Agora, em tempos mais etílicos,

é a cerveja.

 

No passado, o ópio do povo

era o capital minimamente disseminado.

Agora, em tempos mais lúgubres,

é o capital exclusivo, privado.

 

No passado, o ópio do povo

era o bom futebol.

Agora, em tempos mais frívolos,

é reality show, besteirol.

 

No passado, o ópio do povo

era a ideia do paraíso.

Agora, em tempos mais mercadológicos,

é lucrar, desdenhando o último juízo.

 

terça-feira, 20 de maio de 2025

O debut transformador


Pedro Lucas Lindoso

 

A Casa Mamãe Margarida localiza-se na Rua Edmundo Soares nº 27, Bairro São José II, Manaus-AM, CEP: 69086-011. É uma instituição não governamental. Este mês é o Maio Laranja. Dedicado a conscientizar a população sobre o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. As moças abrigadas na Casa geralmente chegam lá com a autoestima, a inocência, e quiçá até a beleza juvenil diminuídas.

A Casa trabalha em várias frentes para restaurar e devolver o viço e o amor próprio dessas garotas. Desenvolve atividades socioeducativas e de complementação alimentar em um ambiente saudável e acolhedor, através de ações Educacionais, Psicossociais, Esportivas, Lúdicas, Culturais e de Inclusão Social.

Um dos projetos que encanta as moças e encanta quem colabora e participa é o Baile de Debutantes. O evento não é apenas uma festa. É, sobretudo, um momento de resgate, de esperança e de alegria genuína para moças que, por muito tempo, tiveram suas vidas marcadas pela vulnerabilidade social.

As jovens, com vestidos que mesclam cores vibrantes e tecidos que, apesar das limitações, brilham com a luz da esperança. Esses eventos, planejados com carinho por uma equipe de voluntários e apoiadores, têm uma missão maior do que a simples celebração de uma passagem. Simbolizam o reconhecimento de cada uma delas como protagonistas de suas próprias histórias.

O debut, tradicionalmente conhecido como a entrada na vida adulta, aqui ganha um significado especial. É o momento de mostrar que, apesar das dificuldades, elas podem sonhar, sorrir e acreditar em dias melhores. Emocionamo-nos com risos espontâneos, olhares de admiração e abraços sinceros.  O ambiente é criado em atmosfera de cumplicidade e esperança renovada.

A alegria dessas moças não está apenas na festa, mas na sensação de serem vistas, valorizadas e celebradas — como jovens que merecem amor, cuidado e oportunidades. A função do debut, nesse contexto, transcende o rito social. Ele se torna uma ponte de inclusão, um momento de afirmação de que todas merecem brilhar, independentemente de sua origem ou situação social.  Gratidão por ver essas jovens se descobrindo, sorrindo e acreditando que o mundo ainda lhes reserva muitas surpresas boas. E, naquele instante, ficou claro: o verdadeiro brilho dessas debutantes não estava apenas nas roupas ou nos sorrisos, mas na força que elas carregam para transformar suas vidas.

PS – doações para próximos eventos: pix  04.566.352/0001-60.

 

domingo, 18 de maio de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXIII

 

Vista aérea do Palácio Rio Negro e seu entorno.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Leitura de "O urubu albino" pelo autor

 

Zemaria Pinto lê O urubu albino.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

Ode ao burguês

Mário de Andrade (1893-1945)

 

 

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,

o burguês-burguês!

A digestão bem-feita de São Paulo!

O homem-curva! o homem-nádegas!

O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,

é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

 

Eu insulto as aristocracias cautelosas!

Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!

que vivem dentro de muros sem pulos;

e gemem sangues de alguns mil-réis fracos

para dizerem que as filhas da senhora falam o francês

e tocam os “Printemps” com as unhas!

 

Eu insulto o burguês-funesto!

O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!

Fora os que algarismam os amanhãs!

Olha a vida dos nossos setembros!

Fará Sol? Choverá? Arlequinal!

Mas à chuva dos rosais

o êxtase fará sempre Sol!

 

Morte à gordura!

Morte às adiposidades cerebrais!

Morte ao burguês-mensal!

ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!

Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!

“– Ai, filha, que te darei pelos teus anos?

– Um colar... – Conto e quinhentos!!!

Mas nós morremos de fome!”

 

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!

Oh! purée de batatas morais!

Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!

Ódio aos temperamentos regulares!

Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!

Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,

sempiternamente as mesmices convencionais!

De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!

Dois a dois! Primeira posição! Marcha!

Todos para a Central do meu rancor inebriante!

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!

Morte ao burguês de giolhos,

cheirando religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!

Ódio fundamento, sem perdão!

 

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...



terça-feira, 13 de maio de 2025

Priorizar o amor e a ação

Pedro Lucas Lindoso

 

Nota-se que houve alguma mudança na Missa. Após a Consagração, o padre dizia: “Eis o mistério da Fé”. Agora se diz: “Mistério da Fé e do Amor”. Foi suprimido o advérbio “eis”. Achei bom. É pouco usado. Soa um pouco pedante. É desnecessário. Trata-se de um advérbio que significa “aqui está”, “olhe”, “veja” ou “aqui tens”. É usado para apresentar algo ou alguém, geralmente presente ou próximo do interlocutor.

Porém, o mais importante foi acrescentar a palavra Amor. A Fé sem amor, sem caridade, sem ação é vazia. Inócua. Com certeza essa mudança no missal atende às diretrizes do já saudoso Papa Francisco.

Dentre as virtudes teologais — Fé, Esperança e Amor – não resta dúvida de que a maior de todas é o Amor. As três virtudes que iluminam o caminho do homem: Fé, Esperança e Amor. São presentes divinos que nos guiam, fortalecem e elevam nossa alma. O Amor resplandece com uma luz especial. Foi o maior ensinamento do Cristo. Engloba todos os mandamentos. Quem ama não rouba, não mata, não trai, não corrompe. Honra pai e mãe.

Sem dúvida que a Fé é o primeiro passo. É a confiança inabalável na presença de Deus, mesmo quando tudo parece escuro e incerto. É acreditar sem ver, é o farol que ilumina a jornada nas noites mais densas. Sem fé, a esperança perde seu sentido, e o amor, sua raiz.

A Esperança nos mantém de pé, mesmo diante das adversidades. É a certeza de que algo melhor ainda está por vir, uma âncora que nos impede de naufragar na desesperança. Ela nos impulsiona a seguir, a lutar, a acreditar que o amanhã pode ser mais justo e misericordioso.

Porém, entre todas as virtudes, o Amor brilha com luz própria e que, na essência, é a culminação de todas as demais: o Amor não é um sentimento passageiro, mas uma força transformadora. Amor que perdoa, que aceita, que se doa sem reservas. É o amor que une, que cura, que nos torna verdadeiramente humanos. Sem Amor, Fé e Esperança perdem seu sentido mais profundo. Pois a Fé sem Amor torna-se rígida, a Esperança sem Amor é vazia. O Amor é o ápice, o ápice do relacionamento com Deus e com o próximo. É a virtude que revela a verdadeira essência do ser humano.

Por isso, podemos afirmar que, embora a Fé e a Esperança sejam essenciais, o Amor é o maior de todos. Que nossas vidas sejam permeadas pelo Amor, porque, afinal, é nele que encontramos a plenitude de nossa existência. E, como disse São Paulo, “o maior de tudo é o Amor”. Que o próximo papa siga os passos de Francisco. Priorizando o Amor, a caridade, a ação. Como cantam os Beatles, “all we need is love”. Tudo que precisamos é o amor.

 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Academia Amazonense de Letras elege dois novos membros


Lourenço dos Santos Pereira Braga, advogado, primeiro Reitor da UEA,
ocupou inúmeros cargos públicos. Foi eleito para a Cadeira 5, antes ocupada
pelo poeta e prosador Almir Diniz.


 

Pedro Lucas Lindoso, advogado, funcionário de carreira da Petrobras, aposentado, é cronista e romancista. Sua crônica semanal é reproduzida neste Blog, às terças-feiras. Pedro foi eleito para a Cadeira 25, cujo último ocupante foi o romancista e dramaturgo Márcio Souza. O pai de Pedro, ex-governador José Lindoso, ocupou a mesma cadeira de 1970 a 1993. 



domingo, 11 de maio de 2025

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

Emissário do ridículo

Diego Mendes Sousa

 

Todas as cartas de amor são ridículas.

Fernando Pessoa

 

A poesia é a máxima expressão do ridículo

e o poeta é um ser

excêntrico e risível.

 

O ridículo torna-se íntimo das palavras

e o poema

é a peça orgânica

que viabiliza

o estranhamento da linguagem.

 

É no poema que o poeta expõe

as suas dores

e as suas mazelas,

a operar a desprezível história pessoal,

a revelar

a sua exótica humanidade.

 

A poesia é assim,

a insanidade a rir de si mesma.

 

Prefiro ser ridículo

a ter que perder as paredes testemunhais

dos meus sentimentos

e sofrimentos.

 

Reencontro a minha infância,

porque é na inocência

(ou ainda no amor ausente ou na urgência da paixão)

que reside toda alma

devota ao ridículo.

 


terça-feira, 6 de maio de 2025

O trabalhador sustenta o presente e constrói o amanhã

Pedro Lucas Lindoso

 

O primeiro de maio no hemisfério norte é o auge da primavera. A natureza se renova e as flores mostram sua exuberância e beleza. No norte do planeta, onde estão a maioria das nações mais ricas e poderosas, também se celebra o Dia do Trabalhador. Exceto nos Estados Unidos que comemoram o Trabalho em setembro.

Nesse dia devemos celebrar o trabalhador. Inclusive suas conquistas e promoção e defesa de seus direitos. A historiadora Dhyene Vieira dos Santos foi recentemente empossada como membro efetivo do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA. Em seu livro Trabalho & vida urbana[1], sobre motoristas e condutores de bonde da Manaus do início de século 20, ela nos ensina que: “O mês de maio em Manaus não se limitava ao dia 1° para as mobilizações dos condutores. As mobilizações ocorreram em várias datas, como 1° de maio de 1902, 31 de maio de 1910, 14 a 20 de maio de 1919 e 21 e 28 de maio de 1927”.

Neste maio é preciso celebrar a força daqueles que, dia após dia, constroem, cuidam, criam e lutam por um amanhã melhor. Celebrar aqueles cujas mãos não cansam de transformar sonhos em realidade. Um reconhecimento silencioso e vibrante de que o progresso de uma nação está nas mãos de quem trabalha. É uma celebração da dignidade do trabalho, do suor, da esperança, da perseverança. Cada profissão, cada atividade, por mais simples que pareça, tem seu valor e seu papel na grande engrenagem social.

Lembramos que o trabalhador não é apenas alguém que troca seu tempo por um salário. É o artesão que molda o futuro, o professor que alimenta mentes, o enfermeiro que cuida da vida, o agricultor que alimenta a nação, o operário que constrói sonhos de concreto e esperança. Cada um, à sua maneira, merece reconhecimento, respeito e gratidão. Ao celebrarmos o trabalhador, também refletimos sobre as desigualdades, os desafios e as batalhas diárias. Que essa data seja um lembrete de que o trabalho digno é um direito, uma causa a ser fortalecida, uma ponte para a justiça social.

É preciso também renovar nosso compromisso com a valorização do trabalhador, com a busca por condições mais justas, e com a esperança de um futuro onde o esforço de cada um seja reconhecido e recompensado com dignidade, respeito e oportunidades.

Os trabalhadores são os que fazem a história, sustentam o presente e constroem o amanhã.

 



[1] SANTOS, Dhyene Vieira dos. Trabalho & vida urbana: motoristas e condutores de bondes em Manaus (1899-1930). Manaus: EDUA; São Paulo: Alexa Cultural, 2024.


domingo, 4 de maio de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXI

 

Vista parcial da Avenida Eduardo Ribeiro, em 1914.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

A poesia é necessária?

 

desvãos

Marta Cortezão

 

Quem ri quando goza / é poesia/ até quando é prosa

(Alice Ruiz)

 

meu silêncio lambe tua orelha

e se arvora feito cobra

para infiltrar-te o veneno

 

meu silêncio se espicha

pelas frestas feito lagartixa

para roubar-te a fala

 

meu silêncio aflora

e ri que goza

quando lambe

quando cobra

quando se larga e atiça

para confundir-te as horas

e de olhos nos olhos

alimentar-te a prosa

com íntima poesia