Amigos do Fingidor

quinta-feira, 27 de março de 2025

A poesia é necessária?

 

Poemas para a minha rua – XXI

Sarah Rodrigues

 

E quando essa rua assoma

meus canteiros multicores,

há serenatas de aromas

na madrugada das flores...

Neste cenário perfeito

que a noite serena espreita,

a sombra parece um leito

onde o silêncio se deita.

 

 

terça-feira, 25 de março de 2025

Por um mundo justo e acolhedor

Pedro Lucas Lindoso

 

Vivemos em tempos difíceis. A globalização e a internet democratizaram as informações. Mas nem todos têm conhecimento e ética em processá-las corretamente. O mundo está dividido. O mais grave é o afloramento da xenofobia, racismo e intolerância.

A nossa Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, reza expressamente que todos são iguais perante a lei. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Garante aos brasileiros e aos estrangeiros no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Folheando e relendo pela enésima vez a nossa Carta Maior, em especial o artigo sobre igualdade, um eco de silêncio ressoava no meu âmago. Era o silêncio daqueles que, por medo ou cansaço, não se manifestam contra as desigualdades que ainda persistem. O racismo, a xenofobia, a intolerância — essas chagas sociais ainda marcam nossa sociedade. Muitas vezes, as pessoas preferem se calar, acreditando que a mudança é impossível, que o preconceito é um mal inerente à natureza humana.

Lembrei-me de uma conversa que tive com um imigrante em Brasília, quando da minha experiência no Ministério da Justiça. Contou-me sobre as dificuldades que enfrentava ao se estabelecer no Brasil. O olhar triste enquanto falava sobre discriminação e desprezo me fez perceber o quão doloroso é viver em um mundo onde as diferenças são vistas como fraquezas. O que deveria ser uma celebração da diversidade frequentemente se transforma em um campo de batalha de estereótipos e preconceitos.

É fácil se perder na rotina, esquecer que cada um de nós carrega uma história única. Precisamos, no entanto, nos lembrar de que o verdadeiro progresso começa com pequenos gestos. Um sorriso, uma palavra de apoio, um ato de solidariedade podem ser o primeiro passo para desconstruir as barreiras que nos separam.

O pôr do sol em nossa capital é sempre deslumbrante. Da janela do Ministério da Justiça o sol se punha no horizonte, tingindo o céu de cores vibrantes, como se a natureza estivesse nos dizendo que a beleza está na diversidade. E ali, naquele instante, percebi que o futuro é moldado por nossas ações, por nossas escolhas.

Dizer não ao racismo e à xenofobia é um ato de coragem, mas também de amor. Amor por nós mesmos e por todos que compartilham este mundo. Que possamos ser, todos os dias, agentes de mudança, ecoando a mensagem de que a diversidade é o que nos torna humanos e que juntos podemos construir um mundo mais justo e acolhedor.

 

domingo, 23 de março de 2025

quinta-feira, 20 de março de 2025

A poesia é necessária?


almoço de domingo

Cynthia Teixeira


 

é domingo, leve como o silêncio.

um cheiro forte de desassossego de pai-morto e mãe abatida.

recordo meu passado

de ser sorridente e concreto.

– eu era viva em outro lugar,

rodeada de gente ao meu lado.

 

mas, que venha este velho almoço,

que eu escolhi e que me escolheu.

o vidro de sal e o pote de farinha,

há neles certa pena?

irrita-me a força de gente mais do que eu,

a potência da colher batendo no prato.

irrita-me o vigor que me exige a faca no cortar.

 

sim, e ainda há um festivo burburinho entre mesa e cadeira,

entre prato e colher,

entre garfo e faca.

 

e todos eles zombam de mim,

essas coisas da mesa do almoço de domingo, mais do que eu,

que sou menos gente do que eles, que não são gente.


e todos zombam, porque só o que me resta é bufar.



terça-feira, 18 de março de 2025

Natureza e fraternidade

Pedro Lucas Lindoso

 

A Campanha da Fraternidade é uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que ocorre todos os anos durante a Quaresma. Tem como objetivo promover reflexões e ações em torno de temas sociais, éticos e espirituais. Este ano o tema é Fraternidade e Ecologia Integral.

Dom Leonardo Steiner, nosso Arcebispo aqui em Manaus, está bastante engajado. É o primeiro Cardeal da Amazónia. Ele destaca que a preservação da natureza é essencial para garantir um futuro digno para todas as pessoas, especialmente as mais vulneráveis.

Dom Leonardo é Franciscano.  Todos sabemos que São Francisco de Assis, padroeiro da Ecologia, amava e até falava com os animais. Principalmente os passarinhos.

Em um mundo marcado pelo consumo desenfreado e a exploração desenfreada dos recursos naturais, a Campanha da Fraternidade nos convoca a um despertar. A mensagem ecoada por Dom Leonardo Steiner ressoa como um chamado à responsabilidade coletiva: cuidar da Terra é um ato de fraternidade.

Quando caminhamos por nossa floresta, ouvimos o canto dos pássaros e admiramos a beleza das árvores, dos igapós, da nossa fauna. Cada elemento da natureza é um irmão, uma irmã. São Francisco assim os chamava. No entanto, ao olharmos ao nosso redor, muitas vezes nos deparamos com a realidade da destruição: florestas desmatadas, rios poluídos e espécies ameaçadas de extinção. É um grito silencioso da Terra pedindo socorro.

Dom Leonardo nos lembra que a fraternidade não é apenas um ideal, mas uma prática. É agir em solidariedade, é reconhecer que nossas vidas estão entrelaçadas. A natureza nos oferece tudo o que precisamos, mas em troca, devemos cuidar dela. O cuidado com o meio ambiente é um reflexo do amor ao próximo. Quando protegemos a natureza, garantimos um futuro mais justo e sustentável para todos.

Que ao cuidar da Terra possamos também cultivar a fraternidade, reconhecendo que todos fazemos parte de uma mesma criação.

A natureza, em sua sabedoria, nos ensina que a vida é um dom precioso que deve ser respeitado e preservado. Que possamos, juntos, ser a voz que clama por um mundo mais justo, onde a fraternidade e o cuidado com a criação andem lado a lado. É hora de agir, de amar e de cuidar. É hora de ser verdadeiramente irmãos e irmãs da Terra.

 

 

domingo, 16 de março de 2025

Manaus, amor e memória DCCXIV


Precursora da Almir Neves, tradicional funerária de Manaus.

 

quinta-feira, 13 de março de 2025

A poesia é necessária?

 

Não vou dar voz

Vanessa Almeida

 

 

Aos abraços que torturam,

aos beijos que ferem,

às bocas que maltratam,

às pernas que enlaçam e

às mãos que afagam duramente.

Não vou dar voz. 

 

terça-feira, 11 de março de 2025

Descer para BC

Pedro Lucas Lindoso

 

Recebi um whatsapp de tia Idalina apavorada. Titia me contou que teve um terrível pesadelo. No sonho, Manaus, aliás toda a Amazônia, era invadida por extraterrestres.

Transformavam a floresta amazônica no maior jardim botânico das galáxias. Manaus se tornaria um grande cassino interplanetário.

Nós, os habitantes de Manaus, poderíamos escolher morar na Riviera de Gaza.  Aos paraenses foi dada a opção de colonizar a Groelândia. Muito frio por lá.  Entretanto, todos os colonizadores vindos do Pará teriam direito a tacacá e maniçoba.

Mas que show da Xuxa é esse, tia Idalina? Ela me disse que o último pesadelo que teve foi nos anos de 1960. Um alienígena queria transformar a região amazônica num grande lago. Uma loucura. Titia acordou suada e ofegante.

Depois criaram a Zona Franca. Vendiam de um tudo que era importado no centro de Manaus.

Foi nessa época que Idalina virou muambeira. Levava para Copacabana dúzias de calças Lee, dezenas de relógios e baralhos importados, diversos lenços de seda, roupas indianas e máquinas de retrato Cannon. Tinha alfândega, mas um sobrinho dela era inspetor. Então, sem problemas.

Seu apartamento em Copacabana era uma festa. Os clientes ainda tinham direito a xarope de guaraná gaseificado. Uma engenhoca onde se colocava gás no xarope, também adquirida na Zona Franca. Vendia aquilo também. Mas só por encomenda. Ficou tão rica que comprou um apartamento em Miami.

Mas agora não sabia o que me dizer. Estava preocupada conosco. O sonho era muito real. Ainda bem que morava no BC. Teria titia se mudado para Balneário Camboriú? Não BC é Balneário Copacabana, explicou-me.

Disse ainda que os extraterrestres eram comandados por um velhote cínico, louro desbotado. Falavam Inglês.

Transformavam o Teatro Amazonas em cassino, o Palácio da Justiça em boate. O porto virou uma fantástica marina. O Palácio Rio Negro virou um hotel butique. O Mercadão, um shopping center.

Além da Riviera de Gaza, os amazonenses poderiam optar pelo projeto de colonização do Planeta Marte.

Ainda bem que foi só um pesadelo. Se fosse verdade iria aceitar o convite de Idalina. Pegar um avião e descer. Descer para BC.


domingo, 9 de março de 2025

Manaus, amor e memória DCCXIII

 

O Carnaval de Manaus, 1917, é notícia no Brasil.
Ao fundo, o Teatro Amazonas.

sexta-feira, 7 de março de 2025

Entrevista ao Jornal do Commercio – lançamento de "Folia no Seringal"


Entrevistador: Evaldo Ferreira

Entrevistado: Zemaria Pinto

 

1 – Por que você usou o Clube da Madrugada como referência para o antes, o durante e o depois da literatura amazonense?

R: Na perspectiva que temos hoje, 70 anos depois da fundação do Clube da Madrugada, é que este é um divisor de águas na literatura feita no Amazonas: há um “antes” e um “depois” do Clube. E durante 30 ou 40 anos, o tempo da história do Clube, houve um “durante”. O Antísthenes Pinto dizia que enquanto ele vivesse o Clube existiria. Jorge Tufic tinha uma posição similar, publicando livros com o selo do Clube até o fim. Então, peguei essa ideia e coloquei no livro.

 

2 – O Amazonas tem uma literatura com características próprias? Se sim, quem seriam seus expoentes?

R: A literatura feita no Amazonas é a literatura feita no Brasil. Fazemos parte dela, ainda que alguns façam “bico” para o nosso “regionalismo”. Márcio Souza deixou-nos como legado, pouco antes de sua morte, um livro pequeno no tamanho mas gigante no conteúdo – Amazônia, Regional e Universal. E ele começa com a frase clássica de Tolstoi, que cito de memória: “se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”. Um francês, um inglês ou mesmo um paulista jamais diria isso. E Tolstoi era então um periférico. Não se iluda: a padronização é o fim da arte. Sempre que tentaram padronizar o fazer estético deram um passo para trás na produção da arte.

 


3 – O Brasil tem ícones nos vários estilos literários. No Amazonas, quem seriam os ícones: na crônica, no conto, na poesia e no romance?

R: Essa pergunta repete a anterior. Desculpe-me. Você sabe quem foi Coelho Neto? Se não, vou lhe dizer quem é Coelho Neto agora: um escritor esquecido. E já foi considerado um monstro sagrado, que conviveu com monstros “menores” que ele, como Machado de Assis e Olavo Bilac. A história da literatura mundial é cheia de exemplos desse tipo. Shakespeare passou duzentos anos no esquecimento até ser resgatado. Gregório de Matos, o “Boca do inferno”, morreu no final do século 17 e somente no século 20 se teve notícias dele. A vida é dura, meu caro. Inclusive para os ícones e canonizados.

 

4 – O que acha dos(as) escritores(as) ditos(as) ‘marginais’, que buscam um lugar à sombra, ou que até mesmo preferem continuar ‘marginais’?

R: A história dessa tendência “marginal” tem séculos, mas vamos falar do Brasil, segunda metade do século 20, quando surge uma poesia marginal muito forte, mas também um cinema marginal, uma música marginal, um teatro marginal etc. Eu conto isso no ensaio sobre os anões de Márcia Antonelli. Resumo da ópera: marginal é tudo o que o mercado ainda não absorveu. Quer um exemplo de marginal clássico? Lima Barreto. Hoje, ele seria um respeitável acadêmico. De minha parte, eu admiro os que assim se autoproclamam. Sempre fui admirador dos marginais brasileiros, mas tem um amazonense que é um ícone do movimento há 50 anos: Simão Pessoa, na persona de quem abraço a todos os marginais das novas gerações.

 

5 – Quem é, e onde se enquadra o escritor Zemaria Pinto?

R: Coloco-me como um trabalhador. Eu não escrevo por reconhecimento ou cargos. Eu escrevo porque tenho uma compulsão por escrever e isso me ajuda a me manter vivo. E eu me sinto útil. Depois de 28 livros (e mais um no prelo), só penso em organizar minha poesia completa e meu teatro completo. Com que finalidade, ainda não tenho certeza. 

 

6 – Hoje, vivos, quem você destaca na literatura amazonense, entre 50+ e jovens iniciantes?

R: Não destaco ninguém, para destacar a todos. A vida literária não é uma batalha. Particularmente, procuro ser amigo de todos, embora aqui e ali receba umas pedradas. Mas tenho sobrevivido. Agora, é preciso entender que, fora da iconicidade (existe isso?) e do cânone, e deixando de lado o fantasma de Coelho Neto, o futuro só acontecerá quando estivermos todos irremediavelmente mortos. 

 

7 – Por que esse título ‘Folia no seringal’ e para qual tipo de leitor seu livro é indicado?

R: “Folia no seringal: alegoria e paródia em O amante das amazonas”, de Rogel Samuel. É o título de um dos ensaios pós-Madrugada. Uma referência a “As folias do látex”, peça de Márcio Souza, e também a Mikahil Bakhtin, teórico da carnavalização. Só que para ler Rogel eu não uso Bakhtin, preferi o Joãosinho Trinta. 

Quanto ao leitor, eu indicaria, em primeiro lugar, aos alunos de Literatura. Depois, às pessoas que gostam de literatura, ainda que não do ponto de vista técnico. Em terceiro lugar, eu indicaria para quem nunca leu um livro: quem sabe ela encontre uma razão de viver...

quinta-feira, 6 de março de 2025

A poesia é necessária?

 

O estupro

Dani Colares

 

Numa rua deserta

De uma hora qualquer

Abriram o meu peito

E estupraram o meu coração

 

Amassaram-no, pisaram-no

Foderam sem piedade

Eu gritava e ninguém ouvia

E enquanto me segurava,

Eu implorava para que o arrancasse de uma vez

 

Cuspiu-me na cara

As lágrimas formaram crateras em meu rosto

E buracos no chão

Eu carregava a dor que asfixia,

que se materializa, aprisiona,

vomita, grita e implora

A dor que provoca a inércia de morte

 

Meu rosto, transfigurado de dor

Se contentava a olhar o nada

Fiquei ali, nua na rua imunda

Sem dignidade, força ou identidade

Vendo meus sentimentos jogados

Por todos os lados no asfalto

 

E assim, de peito aberto

Com saliva, sangue e sêmen

Levantei-me

Metade vivo, metade morto.

E o bandido? Solto.



quarta-feira, 5 de março de 2025

Folia no Seringal – lançamento

Zemaria Pinto


Começo agradecendo a presença de todos: a família – esposa, filhas, netas e irmãs; os parceiros Mauri Mrq e Tenório Telles; o time da Valer – Isaac Maciel, Neiza Teixeira, Bruna Chagas; amigos velhos, ex-alunos, pessoas que estou conhecendo hoje... E destaco ainda a presença do mestre Marcos Frederico Krüger, e do nosso decano Elson Farias, em cujas personas cumprimento a todos os presentes. Num hipotético país parlamentarista das letras, o Marcos seria o primeiro ministro e o Elson, o presidente.

Vigésimo oitavo livro publicado, ainda não me acostumei com o estresse dos lançamentos, e às portas dos setenta anos, tomo o cuidado de trazer estas breves palavras pré-escritas, para não correr o risco de gaguejar ou de simplesmente esquecer – não só o que ia falar, mas o que estou mesmo fazendo aqui?...

E olha que setenta anos não é pra qualquer um, que o digam os meus amigos Antônio Paulo Graça, Anibal Beça, Sérgio Luiz Pereira... e Torquato Neto, Paulo Leminski, Ana Cristina César... e Glauber Rocha, Raul Seixas, Sergio Sampaio, Cazuza... e Jimi Hendrix, Janis Joplin, Amy Winehouse... Mas, de uma coisa fiquem certos: com a chegada da velhice, nós aprendemos que não sabemos nada do que pensávamos que sabíamos quando jovens. Por favor, não me cancelem, isto não é etarismo; é apenas uma autocrítica. Se não, vejam.

Professora Neiza Teixeira, que conduziu o evento.

Entre os 15 e os 17 anos, estudei o Científico, equivalente ao ensino médio de hoje, no Colégio Estadual (ou simplesmente Estadual). Ficava vendo de longe os componentes do Clube da Madrugada que frequentavam o Café do Pina, na praça em frente – a da Polícia. Moleques, eu e Geraldo dos Anjos ficávamos horas a falar mal dos “funcionários públicos da literatura amazonense”. Estúpidos, nós dois, não demoraria muito para tomarmos consciência dessa estupidez. Mas, a juventude, vocês sabem, não acaba aos 17 anos... É um processo. E de repente vem a artrose, a artrite, a arritmia, a glicose, as viroses a pressão alta, a pressão baixa, a falta de... sezão... E estamos irremediavelmente velhos.

Folia no seringal é um balanço da minha aventura como ensaísta, reunindo doze exemplares da minha produção no gênero, desde “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, publicado em 1999, como prefácio de Papéis Velhos... roídos pela traça do Símbolo, na histórica Coleção Resgate, coordenada por esse mítico guerreiro das Letras amazônicas, Tenório Telles, até textos escritos nesta década, vinte e tantos anos passados. E tudo tendo como eixo o Clube da Madrugada, fundado em 1954. Com este livro, celebramos os 70 anos do Clube.

Folia no seringal faz um passeio pela trajetória do Clube, que é o caminho traçado pela literatura feita no Amazonas, mostrando que há um antes e um depois do Clube da Madrugada, sendo o durante a própria existência do Clube. Comecemos pelo princípio.

 

Mauri Mrq, músico e compositor.

Antes – o ensaio de abertura, “A paisagem na literatura de viajantes e nativos”, começa com Frei Gaspar de Carvajal, que escreveu, no seu relato, Descobrimento do rio de Orellana, a nossa certidão de nascimento; e faz um breve inventário dos viajantes e nativos que tomaram a paisagem como personagem: Cristóbal de Acuña (Novo descobrimento do grande rio das Amazonas), Henrique João Wilkens, o poeta do genocídio (Muraida), Julio Verne (A jangada, 800 léguas pelo Amazonas), Conan Doyle (O mundo perdido), Raul Pompeia, autor de O Ateneu, escreveu Uma tragédia no Amazonas, com 17 anos; Euclides da Cunha (que estava escrevendo Um paraíso perdido quando foi parado pela bala de um desafeto); Ferreira de Castro (e o superestimado A selva); e os amazonenses Octavio Sarmento (A Uiara) e Violeta Branca (Ritmos de inquieta alegria).

Destaco, no já citado “Maranhão Sobrinho, o místico de Satã”, o poeta que, vivendo em Manaus, na minha Cachoeirinha, e aqui morrendo, foi o autor que logrou maior reconhecimento nacional na era pré-Madrugada. Nenhuma antologia séria do Simbolismo brasileiro o ignora.

O terceiro ensaio, fechando esse grupo, diz ao que veio já no título: “Romancistas e contistas: a literatura de ficção na Academia Amazonense de Letras”. Porque sempre tem um incomodado a reclamar que a Academia tem escritores de menos. E é verdade, mas isso não chega a ser nenhuma catástrofe, porque os escritores da AAL dominam outros saberes, além da literatura de ficção. Vejam. Em cem anos de existência, 1918-2018, contam-se 15 ficcionistas, em um total de 148 acadêmicos; 10%, portanto; o que significa que os outros 90% dominam outros saberes. E escrevem livros sobre eles.

 

Tenório Telles, escritor e crítico literário.

Clube da Madrugada – o ensaio que abre este capítulo não se isenta de polêmica, em três frentes; duas afirmações e uma pergunta. Primeira afirmação: o Clube da Madrugada não se constituiu como um movimento, uma vez que não tinha um programa estético, e sim político. Segunda afirmação: o Clube da Madrugada não foi o Modernismo no Amazonas. E a pergunta: até onde vai, cronologicamente, o Clube da Madrugada? Costuma-se dizer, eu mesmo já o disse várias vezes, que o Clube da Madrugada foi fruto de uma geração excepcional. Na verdade, foram pelo menos três gerações.

Na sequência, quatro ensaios sobre quatro autores emblemáticos do Clube: Luiz Bacellar (Frauta de barro), Astrid Cabral (Alameda), Elson Farias (Memórias literárias) e Ernesto Penafort (uma visão geral de sua obra, mostrando que havia muita poesia além do azul). Esses quatro autores representam as mais de duas dezenas de autores que gravitaram em torno do Clube.

Eu lembro que, há exatos 10 anos, em um 9 de março, Eu e o Mauri, juntamente com o Tenório, o Marcos Frederico, o Alisson, a Nícia e outros amigos, lançávamos na sede da Academia o livro-objeto Lira da Madrugada, homenagem aos 60 anos do Clube – aliás, não fomos eu e o Mauri, mas sim o Mauri e eu. O Mauri cantou, tocou, fotografou, produziu, deu palpite em tudo. Eu só desorganizei as ideias poéticas, para dar um toque de não sei quê. Parece que faz tanto tempo: até o conceito de livro-objeto, nestes tempos virtuais, fica difícil de entender. Vou tentar: eram dois livros e um CD. O CD era um disquinho compacto, um compact disk... É melhor parar por aqui...

 

Depois – reunindo três ensaios de autores que surgiram após o auge do Clube da Madrugada, comenta-se a dramaturgia amazônica de Marcio Souza – A paixão de Ajuricaba, Jurupari, a guerra dos sexos, A maravilhosa história do Sapo Tarô-Bequê, As Folias do Látex, Tem piranha no pirarucu e muitas outras; o romance histórico de Rogel Samuel, O amante das Amazonas; e três títulos da escritora Márcia Antonelli, que tem a figura de um adulto portador de nanismo como protagonista e como isso se desenvolve entre o grotesco, o fantástico e o marginal: são eles O enterro do anão, O anão do açougue e O anão trompetista. De novo, quero deixar bem claro que isso não é capacitismo, até porque os anões de Márcia, além de protagonistas, são personagens com uma carga trágica muito forte. E foi isso o que me encantou neles, além da já conhecida capacidade da autora de engendrar tramas fantásticas. Antonelli representa, no livro, a literatura produzida no Amazonas neste século 21. É, portanto, o que há de mais novo em nossa literatura.   

Zemaria Pinto.

Fechando o capítulo, um ensaio – “Miniconto, microconto, nanoconto, contos são?” – onde se discute uma tendência minimalista do conto contemporâneo, que chega a usar os muros da cidade como veículos para o texto, lembrando a Poesia de Muro, teorizada pelo poeta madrugadense Jorge Tufic.

Por fim, sempre me têm perguntado “por que Folia no seringal”? Talvez estranhando um súbito relaxamento na sisudez com que se trata a literatura sobre a época. Lembro o amigo Márcio Souza, a quem presto todas as reverências que um discípulo deve ao mestre: a peça As folias do látex, encenada pela primeira vez em 1976, me deu a senha. Então, eu li o lírico romance do amigo Rogel Samuel como se fora um desfile carnavalesco, trocando o circunspecto Bakhtin, teórico da carnavalização, por um glamoroso e feliz Joãosinho Trinta. Evoé!   

O livro é de vocês! 

          

 Fotos: diversos autores; obrigado a todos.

terça-feira, 4 de março de 2025

Carnaval: encontro de ritmos

Pedro Lucas Lindoso

 

O Carnaval chega sempre vibrante e pulsante, colorindo as ruas e os corações. É um momento em que a alegria se torna uma linguagem universal e todos, independentemente de origem ou crença, se reúnem para celebrar. Nas esquinas, o frevo se mistura ao samba, o axé contagiando os passantes, e a toada do Boi de Parintins trazendo um sabor especial ao carnaval amazonense.

O frevo, com sua energia contagiante, é a cara do Carnaval pernambucano. Os passos rápidos e acrobáticos, as sombrinhas coloridas que dançam ao vento, e a música que nos arrasta para o meio da folia.

No Rio de Janeiro, as escolas de samba se preparam o ano todo para o desfile, onde a passarela se transforma em um espetáculo de luzes, plumas e muito brilho. O samba é um ritmo que conta histórias, desde as mais tristes até as mais alegres. Cada verso carrega consigo a luta e a resistência de um povo que encontrou no ritmo uma forma de expressão.

E não podemos esquecer do axé, que traz a energia da Bahia para o Carnaval. Com suas letras que falam de amor, axé e alegria, esse ritmo faz todo mundo querer dançar. Os trios elétricos tomam conta das ruas, e a festa é uma verdadeira celebração da cultura afro-brasileira. O axé é um convite à descontração, uma mistura de ritmos que faz do Carnaval baiano uma experiência única. Pergunte a quem já foi lá!

Mas aqui na nossa terra temos o Carnaboi. Essa festa que reúne Carnaval e Boi Bumbá, esse ano de 2025, terá seu ápice dias 7 e 8 de março. Afinal, o Boi Garantido e o Boi Caprichoso não são apenas símbolos de uma festa, mas verdadeiros ícones da nossa cultura. As toadas, cheias de emoção e poesia, servem como uma luva também para se pular o Carnaval. E por que não? As vozes se elevam, e a música ressoa pela galera animada. O ritmo das toadas, tão familiar ao amazonense, no período do Rei Momo acaba envolvendo a todos em um abraço sonoro e muito, mas muito mesmo, animado.

Assim, o Carnaval se torna um mosaico de ritmos e tradições. Cada expressão musical traz consigo a história do nosso Brasil. Tão diverso. Carioca, nordestino ou amazônida, acaba sendo unicamente e essencialmente brasileiro. Um só povo, suas lutas e suas vitórias. Na avenida, no bloco de rua, nos clubes e arenas ou na casa de amigos, a festa se faz presente, e por alguns dias, as diferenças se desfazem em meio à música e à dança.

Ao final, quando os últimos acordes se apagarem e os confetes e serpentinas se assentarem, restará a memória de dias de pura alegria. E, assim, o Carnaval nos ensina que a vida, com suas cores e ritmos, é uma grande festa que merece ser celebrada. Portanto, na cadência do frevo, no balanço do samba, na energia do axé e na leveza da toada de Boi, encontramos a verdadeira essência do ser brasileiro: um povo que dança, ri e celebra a vida em todas as suas nuances.

  

domingo, 2 de março de 2025

Manaus, amor e memória DCCXII


Carnaval de 1905.

 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

A poesia é necessária?

 

Espartanas tardias

Ecila Mabelini



Mulheres fortes se esconderam atrás de homens fracos que o mundo saudou.


Mulheres fortes se entregaram com fúria e vontade, sem temor e nem autopiedade às verdades que o coração revelou.


Mulheres fortes viveram dores escondidas em poços sem vaidades e macularam verdades, sem culpa ou crueldade, apenas porque o corpo sonhou.


Mulheres fortes maceraram sentimentos como unguentos capazes de curar as feridas e os lamentos anavalhados pelo tempo.


Mulheres fortes foram punidas por serem aguerridas, incontidas, pervertidas, incomuns.


Por não serem santas, por serem loucas, por serem soltas.


Por não serem rastros, por terem lastro.


Mulheres fortes descalçaram algozes, acenderam vozes, marcaram espaço; território sacro, fogueira que ninguém nunca apagou.



terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Fisioterapeuta de passarinho

Pedro Lucas Lindoso

 

Uma queda. Abaulamento discal e artrodese me levaram a uma cirurgia da coluna. Fiquei com a mobilidade comprometida.

Foi assim que precisei dos serviços profissionais de um fisioterapeuta.  Sabia que a fisioterapia era importante para recuperação e melhora da minha mobilidade.

Minha experiência com fisioterapeutas tem sido a melhor possível e bastante gratificante. O fisioterapeuta que me atende no momento é o Reinaldo Souto. Ele combina exercícios terapêuticos com mobilização articular e hidroterapia. Eventualmente usa terapia manual e aplicação de ventosas.

Além da melhoria da mobilidade, com aumento da amplitude de movimento e flexibilidade, a fisioterapia alivia a dor, o desconforto e desenvolve força e resistência muscular.

Nosso objetivo principal é melhorar o equilíbrio e aumentar a coordenação, para que eu possa voltar a andar novamente sem ajuda de andador, muleta ou bengala.

As sessões de hidroterapia são feitas na piscina do condomínio. Após o atendimento, aproveito para pegar sol e aumentar o nível de vitamina D. Não adianta tomar suplementos e não tomar sol. Os dermatologistas que me perdoem, mas tenho abusado do nosso sol.

Enquanto recebia minha dose essencial de vitamina D, observava o Reinaldo resgatar um passarinho que havia se autoaprisionado no gradil da cerca da quadra de tênis. O bichinho tinha os pés contorcidos em volta de um grosso e inflexível fio de metal.

Com toda uma técnica, o rapaz conseguiu desvencilhar o passarinho daquela arapuca.

A ave parecia traumatizada e com medo de voar. Colocado numa cadeira, na sombra, com acesso a uma tijelinha com água, o passarinho descansou e se recuperou.

Reinaldo tomou o bichinho em suas mãos e o lançou para voar. E lá se foi ele: livre, leve e solto. Plenamente recuperado.

Dei os parabéns ao Reinaldo (soutoreinaldo@hotmail.com) e disse-lhe:

– Mano velho, parabéns. Faz fisioterapia até de passarinho.

 

domingo, 23 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

A poesia é necessária?

 

Alvorada

Saturnino Valladares

 

A Vítor Hugo Martínez Ballesteros

 

Largamente as ondas se retiram

cada vez mais longe, até alcançarem

as raízes do novo amanhecer.

 

De garra e de carícia

gravados na areia,

filamentos de umidade,

memória dos líquidos amantes,

testemunhas da gota de silêncio.

 

Tradução: Zemaria Pinto

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Basta um click


Pedro Lucas Lindoso

 

Aqui no meu condomínio há quarenta unidades. Somente três apartamentos recebem o jornal A Crítica. Eu sou um desses assinantes. Possivelmente, serei um dos últimos leitores de jornal físico do planeta.  Tenho acesso às edições eletrônicas, é verdade. Mas há um certo prazer em ler o jornal físico. O inconveniente de espirrar em razão do cheiro da tinta não me incomoda. Eu costumo separar ou recortar algumas matérias. Sei que posso fazer isso eletronicamente. Algumas vezes faço isso. Mas não abro mão de manipular os jornais físicos.

Sinto saudades de algumas edições de domingo, com suplementos fantásticos. Inclusive na área literária.

Sinto também saudades de bancas de revistas apinhadas de jornais e revistas diversas, vindas principalmente do Rio. E São Paulo.

Morei anos em Brasília. Quem conhece a nossa capital federal sabe que lá não moramos em ruas. Mora-se em superquadras, ou simplesmente quadras, como dizem os locais.

Cada quadra tem, ou tinha, uma banca de revista.  Ser proprietário ou permissionário de uma banca de revista de quadra era difícil e caro. Hoje não deve ser tanto. Nas bancas também tinha fichas telefônicas, cigarros e máquina xerox. Se fosse freguês podia até trocar cheque por dinheiro. Não se faz mais nada disso. Na rodoviária de Brasília havia uma enorme banca de revista. Com jornais de todos os estados brasileiros. Inclusive os de Manaus.

Aqui em Manaus muitas desapareceram. A grande resistente parece ser a da Praça Chile, perto do cemitério. Outras resistem no centro. Mas não são mais tão atrativas. Uma lástima.

Quando jovem adolescente colecionava revistas como a Conhecer. De tantos em tantos fascículos vinha uma capa para encadernar. Formava-se uma enciclopédia a conta gotas. Dentre várias, colecionei História do Brasil. Quatro volumes em capa branca. Cada revista focava um personagem da nossa História. As gravuras eram primorosas. Tenho essa coleção até hoje.

Essas coleções enciclopédicas feitas nas bancas foram uma opção importante para meus trabalhos no colégio. A maioria consultava a famigerada Barsa. O Google da minha época. As coleções de banca eram uma alternativa para se obter uma nota melhor. Tinham mais gravuras. Não se recortava, mas podia-se tirar xerox das pirâmides do Egito e tirar 10 no trabalho de História Geral. Hoje tudo se resolve bem rápido. Basta um click.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

Manaus, amor e memória DCCX


Prédio da Academia Amazonense de Letras.
No nível da rua, onde hoje fica a área administrativa da AAL,
estava a FNME, ligada ao MEC.

 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

A poesia é necessária?

 

4 haicais

            Carlos Guedelha

 

pássaro cativo

nas grades de uma gaiola

não canta mas chora

 

lágrimas no canto

exprimindo dor de exílio

pássaro cativo

 

o céu taciturno

nuvens escondem o sol

o dia nublado

 

a paisagem turva

horizonte embaçado

prenúncio de chuva