Amigos do Fingidor

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 9/9


Fernando Júnior. 
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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Vozes, versos e metamorfoses

Tainá Vieira

 

Eu vim de vários ventres,

andei por diferentes terras,

metamorfoseando-me

a cada estação.

 

E quando outra de mim nasce

modifica-se o corpo e a face

mas permanece o mesmo coração.

 

Já fui árvore, casa e ilha,

ontem eu era minha mãe,

hoje sou minha filha.

 

Habito os mares, as matas,

as esquinas e os altares,

sou santa, viro fera,

cirandeio, canto, rezo

acendo o fogo, carrego

a tocha e corro o mundo,

vou da minha tribo

– até o centro da Terra.

 

Estou onde eu quiser,

vivo do jeito que eu quiser,

se me perco, me acho no caos

que construí em mim,

ou nos sonhos que sonham

nas celas, nas cozinhas,

nas ruas, nos leitos e matagais.

 

Me refaço nos pedaços

que encontro espalhados por aí

ou nas cinzas voadas para longe

atravessando os séculos de dores

e clamores, desde as primeiras

palavras das minhas avós.

 

Sou Marias, Sônias e Clarices,

Capitus, Evas, Medeias,

Iracemas e Conoris.

Meu ser milenar é feito

da seiva vermelha extinta,

do sangue miscigenado

e da história que nunca foi contada.


 

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Polarização

 Pedro Lucas Lindoso

 

Dizem que o Brasil está polarizado. Na semana da pátria é bom refletir. Para mim, polarizado significa estar dividido entre opostos. Estamos divididos entre patriotas e não patriotas? Entre entreguistas e não entreguistas? Não acredito.

Como todo 7 de setembro, inclusive os da minha infância de menino amazonense, a cidade acorda em tons de verde e amarelo.

Não é crível que estejamos neste feriado cívico, entre “patriotas” vs. “não patriotas”.

Vejo brasileiros comuns com motivações diferentes. Há os que valorizam a memória histórica. Outros que se preocupam com as oportunidades para as crianças. Há os que criticam políticas públicas sem abrir mão de amar o país.

Mas sinto algum conflito no ar. Numa conversa de elevador, num grupo de WhatsApp. Mas há algo que une a todos. São desejos de dignidade, respeito e curiosidade pelo futuro.

Mas cada personagem parece trazer uma única pergunta que não se resolve: o que significa amar o país se ele não for perfeito?

Li em algum lugar e anotei: “A pátria não é uma casa com todas as portas fechadas ou todas as janelas abertas; é um corredor onde cada pé encontra um degrau diferente.”

O meu sincero desejo hoje é sentir que o sentimento de valorizar o nosso país seja no exercício em ouvir. Ouvir o vizinho que valoriza a memória histórica sem negar a urgência das oportunidades para as crianças; ouvir o professor que celebra tradições ao mesmo tempo em que aponta para o desejo de dignidade.

Sim. Precisamos de dignidade. Para quem trabalha, para quem estuda, para quem cuida.

Na semana da pátria não se deve insistir na polarização. Mas em caminhar juntos, mesmo quando o caminho não é reto nem claro. Amar o país, aqui, não é aceitar tudo como está, mas participar dele com responsabilidade, humildade e paciência. Neste dia o cronista faz um convite a amigos supostamente polarizados. O convite para transitar o meio-termo entre orgulho e reparo, entre memória e inovação. A pátria não se vence com certezas absolutas; ela se constrói, dia a dia, em pequenas atitudes de escuta, em decisões informadas, em respeitar direito do outro de enxergar o mundo com cores diferentes. Que tenham tido um bom feriado.

 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Lançamento de Neste Remoto Agora

 


Poetas participantes:

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domingo, 7 de setembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXIX

 

Hoje, Av. Sete de Setembro.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 8/9


Jandr Reis. 
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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Vandalismo

Augusto dos Anjos (1884-1914)

 

Meu coração tem catedrais imensas,

Templos de priscas e longínquas datas,

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

 

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

 

Como os velhos Templários medievais

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a Imagem dos meus próprios sonhos!

 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Catequese com carinho

 Pedro Lucas Lindoso

 

Neste 31 de agosto a Igreja comemorou o Dia do Catequista. Minhas homenagens àqueles, principalmente os leigos, que se dedicam a essa sublime missão de ensinar às crianças católicas os primeiros passos do Evangelho e das boas regras para ser um bom católico.

A minha catequista foi a inesquecível Madre Santos, do Colégio Santa Doroteia, localizado na Av. Joaquim Nabuco, aqui em Manaus. Eu sou filho, irmão e afilhado de salesianas. Mas fiz catecismo nas Doroteias. Eu, meus irmãos mais velhos e as primas Daou.

Não sei se eles se lembram, mas Madre Santos era extremamente carinhosa. Eu gostava de ir ao catecismo. E a expectativa de fazer a Primeira Comunhão era um incentivo para um menino ávido em deixar de vestir calças curtas. Fazer a Primeira Comunhão e usar calças compridas era o sonho de qualquer garoto católico da minha infância.

E naqueles anos se fazia a Primeira Eucaristia bem novinho. Eu tinha seis anos quando fiz a minha Primeira Comunhão. Seria no dia 3 de junho de 1963. Mas foi adiada porque naquele dia morria em Roma o Papa João XXIII. Foi uma tristeza e uma frustração inesquecíveis. Adiada para dezembro, aqueles foram os seis meses mais longos da minha vida.

Naquela idade eu já estava alfabetizado. Acho até que minha alfabetização foi impulsionada pelas lições de Catecismo da Madre Santos.  O requisito para o Catecismo era saber ler. Hoje as crianças fazem Primeira Comunhão por volta dos dez anos. A Igreja deveria rever isso. Nas cerimônias de hoje em dia,  as vezes aparecem meninos bem grandes, já pré-adolescentes. Antigamente, com crianças mais novinhas, algumas vestidas de anjo, era mais pueril e angelical.

Finalmente dezembro chegara. A alegria de uma criança católica ao fazer a primeira comunhão é um momento de luz e descoberta. Lembro-me do coração pulsando como tambor de festa. Ao se aproximar do altar, o ar cheirava a incenso; cada passo parecia atravessar uma ponte entre o tempo da brincadeira e o tempo do sagrado

Naquela manhã, o mundo pareceu ganhar um tom novo: simples, claro, e inteiro como o mundo que Madre Santos com tanto afeto nos havia transmitido. Através de desenhos e brincadeiras e leituras simples. Sem nos amedrontar. Madre Santos já aplicava os princípios e o legado de João XXIII. Uma Igreja mais leve, próxima e aconchegante. Seguindo as premissas do Concílio Vaticano II, fazia uma catequese arejada e com carinho.

  

domingo, 31 de agosto de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXVIII

 


Praça do Congresso com Monsenhor Coutinho.

sábado, 30 de agosto de 2025

Garrote - agenda para setembro


Garrote continua furando a bolha...

 

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 7/9


Hahnemann Bacelar. 
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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A poesia é necessária?

Pátria

Saturnino Valladares


Pátria de sangue,

única terra que conheço e que me conhece,

única pátria em que acredito,

única porta para o infinito.

Octavio Paz

 


Caminhei de terra em terra, procurando-te,

arrancando gemidos das pedras,

incendiando o rio em suas margens

mordendo o musgo azul das árvores.

 

Caminhei até encontrar minha pátria:

a curva do teu pescoço,

a cintura de água,

os seios e o beijo que nasce em minha boca.

 

Eu não tenho mais pátria que teu corpo.

 

Desnuda-te,

para que a chuva te molhe os pés,

e por teus tornozelos cresça uma trepadeira

em direção à luz que repousa em teu ventre.

 

Desnuda-te,

porque eu sou a sombra da trepadeira.

Tu és minha pátria.

 

Desnuda-te e abraça-me,

agora que por fim te encontrei.


Tradução: Zemaria Pinto

 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Segredos da Fênix em 2ª edição


Com tradução de Zemaria Pinto,
Saturnino Valladares relança seu livro "mais brasileiro".


 

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Carvão, a memória de um traço

Pedro Lucas Lindoso

 

Da minha infância, além das pessoas e lugares, guardo recordações de objetos. Tais como o ferro a carvão e o fogareiro. Também a carvão. Mas antes é preciso falar do carvoeiro. Havia o cascalheiro que tocava triangulo, o verdureiro, o peixeiro e claro, o carvoeiro. E antes que me pedissem ia logo buscar o dinheiro para o carvão. Atendia aquele senhor com prazer. Levava-o até a lavanderia e lhe oferecia um copo d’água, sempre aceito e agradecido.

O interesse em atender o carvoeiro, além de remeter às deliciosas sardinhas fritas no fogareiro, o carvão também tinha outra serventia. Para as meninas, fazer o desenho para pular “macaca”. Que em Brasília é “amarelinha”. Já eu usava o carvão para fazer um triângulo, círculo ou meia lua no chão de cimento queimado de cor verde, onde ficava a lavanderia. Era para as inesquecíveis competições de bolinha de gude.

Antigamente, o carvão não era apenas combustível; era quase um personagem invisível que tocava a vida em cada canto da casa. O ferro a carvão, o fogareiro a carvão, sim, eram as imagens que pulavam na memória do menino ora cronista. Mas havia outras utilidades que pareciam surgir de um mesmo carvão, como se ele tivesse várias vidas guardadas dentro de si, prontas para serem reveladas a quem soubesse olhar com paciência.

Na nossa rua, o carvão tinha cheiro de fósforo e de lar. Ele acendia não só fogareiros.  Mas conversas e transmissão de saberes. Aprendia-se a abanar o fogo do fogareiro. Darinha contava histórias ao redor da brasa que dançava sob o prato de ferro. O carvão era o acorde invisível que sustentava o dia. O fogo alimentava a simplicidade da sardinha frita, previamente ticada por ela.

Quem diria que aquele mesmo carvão, acumulado em sacos de estopa, poderia limpar mais do que a louça? Em cada casa, havia um filtro de água com carvão ativado. Não era glamour: era eficiência prática. A água, antes turva, clareava aos olhos, como se o carvão guardasse dentro de si uma promessa de pureza.

Entretanto, o carvão não se limitava à função doméstica. No quintal, sob a luz do fim de tarde, havia o solo. O carvão picado, moído, espalhado pela terra, servia de adubo para plantas e ervas medicinais.

E o carvão também era objeto de nossas brincadeiras. Meus inesquecíveis campeonatos de bolinha de gude seriam impossíveis se não tivesse o carvão para marcar o chão onde ocorriam os tecos das bolinhas de gude. Havia, ainda, uma função discreta, quase clínica em sua simplicidade: o carvão como purificador de odores. Especialmente quando a cozinha recebia pratos pesados e cheiros fortes, o carvão ativado ajudava a manter o ambiente mais leve,

Se a gente fechar os olhos, ainda pode ouvir o estalo do carvão no fogareiro e no ferro de passar roupa. Pode sentir o peso do ferro a carvão, a consistência do fogareiro ainda quente ao anoitecer. E, no silêncio que se segue, pode-se perceber que o carvão, aquele objeto aparentemente simples foi, por muitas gerações, o artífice de muitas coisas invisíveis: memórias do lar da nossa infância, da paciência de nossas antigas cozinheiras e passadeiras. Aquele fogo e o seu calor misturado com o mormaço. E elas sempre com uma especial paciência conosco, a meninada que estava sempre ao redor. Delas e de seus cuidados.

O carvão, em qualquer variação de uso que tenha surgido, nos lembra quando a memória precisa de um traço, para jogar bola de gude, ele está ali, pronto para servir, em qualquer função que o tempo ainda tenha a oferecer.

 

domingo, 24 de agosto de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXVII

 

Gravura mostrando a ponte sobre o igarapé do Espírito Santo (hoje, Eduardo Ribeiro) e a 
rua Municipal (hoje, Sete de Setembro).

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 6/9


Buy Chaves. 
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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

A poesia é necessária?

 

Eu te amo

Cândida Alves

 

Colando o meu rosto

no pelo macio do teu peito

não posso encontrar

um defeito na vida

 

Meu corpo estreito

sem jeito

te cobre com força

e te beijo

 

Teu beijo

me escorre na cara

escancaras na boca

um bocejo

 

e dormes...

 

Respiro com calma

com tara

me sento em teu colo

te olho

não fico com medo

 

Procuro teus dedos

que toco

e enrosco nos meus

pensando em voz alta

meu Deus eu amo esse cara

esse homem

então sinto fome...

 

Vou à geladeira

encontro uma pera

e como

sentada na pia

 

Um gato que mia lá fora

me lembra na hora

meu gato sozinho na cama

 

Eu corro e te encontro

com os olhos fechados,

suando

sonhando comigo talvez

 

e sigo te olhando, babando,

pensando

 

meu Deus como eu amo

e proclamo:

sou tua, sou tua

enquanto adormeço ao teu lado

tranquila

e completamente nua



terça-feira, 19 de agosto de 2025

Pinguim de geladeira

Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina resolveu fazer uma grande reforma na sua cozinha. Contratou uma arquiteta. Comprou novos modulados. Foi um desafio. Ouvia críticas dos amigos e familiares por ter relegado a cozinha há anos sem reforma. A sala e seu quarto haviam sido lindamente redecorados. Mas a cozinha não.  Claro que estava em bom estado. A implicância era com a geladeira. Uma Consul. Mas já muito antiga. Provavelmente da época em que o tal “cônsul” era cadete.

Pronta a reforma. A geladeira comprada sob a supervisão da arquiteta é uma linda Brastemp último tipo. Uma maravilha.

Passeando pala avenida Nossa Sra. de Copacabana, Idalina entrou numa dessas lojas de quinquilharias, souvenires e que tais, que ela adora. Viu um lindo pinguim de geladeira. Parecido com um que havia na casa de sua avó. Coisa das antigas. Ficou em dúvida. Vão achar cafona, chinfrim, caipira, brega, kitsch, o diabo.

Idalina saiu da loja frustrada. Deu meia volta e pensou. Vou comprar. A casa é minha. Que se danem. Uma das vantagens de envelhecer é não se importar com a opinião dos outros. Comprou o pinguim. E o colocou majestosamente em cima da nova geladeira.

O pinguim de geladeira é um verdadeiro ícone da breguice moderna, um símbolo que divide opiniões e provoca risadas. Para muitos, ele é a personificação do que há de mais cafona na decoração, mas, para outros, é um charme irresistível que traz um toque de humor ao ambiente. É assim que pensa tia Idalina.

A questão que fica é: o pinguim é brega ou é um estilo? Para alguns, ele é o símbolo da cafonice, uma peça que não combina com a sofisticação da vida moderna. Para outros, ele é um lembrete de que a vida deve ser leve.

A verdade é que a breguice tem seu charme. Como já dizia Fernando Pessoa, “todas as cartas de amor são ridículas”, e, assim como as cartas, o pinguim de geladeira é uma declaração de amor à simplicidade e à alegria.

Portanto, se você tem um pinguim de geladeira, não se preocupe com que os outros pensam. Afinal, a vida é curta demais para não ter um pouco de breguice na decoração!

 


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

domingo, 17 de agosto de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXVI

 

Catedral de Manaus, tendo em primeiro plano o Aviaquário Municipal.

sábado, 16 de agosto de 2025

Garrote, o filme: a crítica da miséria e a miséria da crítica

 Zemaria Pinto

 

Um filme é o esforço coletivo de uma equipe, onde cada componente tem teu papel específico. Todos são igualmente importantes e se um elo da cadeia produtiva falha, uma série de consequências negativas se acumulam no processo de produção.

 

Márcio Souza, em A substância das sombras (2010), 

p. 143.

 

Depois de mais de um ano de produção, Garrote finalmente estreou, para um público restrito, no dia 14 de junho, no Cine Carmen Miranda. E após várias exibições, variando de casas cheias a vazias, já tínhamos o desenho da reação do público, entre a “vingança” pela ousadia da denúncia e a paradoxal indignação por termos trazido à tona aquelas lúgubres lembranças. Mas, faltava uma avaliação técnica, o que tivemos do jornalista Caio Pimenta, cujo link transcrevo abaixo, caso o caro leitor ou a cara leitora queiram ler o texto crítico e já se desobriguem de voltar a estas mal traçadas...

 https://cineset.com.br/critica-garrote-2025

 É preciso esclarecer que escrevo em meu nome, pois o grupo, mais inteligente que eu, optou por ignorar a opinião do crítico.  Que diz:

 

A obra marca as estreias de Bruno Pantoja e Zemaria Pinto no cinema: o primeiro como diretor e o segundo na função de roteirista após trabalhos como escritor e dramaturgo. E fica nítido como “Garrote” traz parte de seus problemas justamente da falta de experiência de ambos com a linguagem cinematográfica. De um lado, temos um filme que se apoia grande parte em diálogos, logo, os personagens falam tudo o que sentem e pensam a todo momento.

 

Apesar de “estreante”, não sou exatamente um neófito em escrever roteiros. Explico. No meu livro de contos Os que andam com os mortos (2023), entre entrevistas, ensaios, crônicas, fábulas, fragmentos dramáticos e até alguns contos mal disfarçados, há pelo menos dois roteiros cinematográficos, um deles escrito na primeira metade dos anos 1970. Mas, apesar do carnaval de gêneros, são apenas contos. Inclusive, os roteiros. Nada que eu diga, entretanto, vai ocultar minha incompetência. Uma curiosidade: foi meu primeiro livro, e talvez o último, de contos adultos, vencedor do prêmio de publicação Frauta de Barro, da Editora Valer. Artes do Bacellar, é provável, pois ele é o protagonista do conto que nomeia o livro.   

Mas o livro tem a pretensiosa intenção de trazer à luz um debate antigo: quais os limites da literatura? Ninguém tem dúvida de que o texto dramático é literatura. Seria Shakespeare o centro do cânone literário universal? E a poesia acasalada com a música? E não falo de ópera: Mr. Zimmermann, por favor... Deixo no ar duas apostas: nas graphic novels e no cinema. Ao fim e ao cabo, tudo é literatura. Mesmo quando não passa, como o nosso roteiro, de reles falatório. 

Se, como diz o querido Márcio Souza, na continuidade do texto usado como prólogo, “O ponto de partida para qualquer filme é o roteiro”, vamos falar do roteiro, responsabilidade deste que vos fala. Mas, antes, ouçamos novamente o crítico:

 

Este falatório se mostra voltado para uma ilustração da divisão social e política da cidade ao colocar a personagem de Amanda mais ligada à esquerda, pró-vacina e humanista, enquanto Begê faz o tipo negacionista, machista e bolsonarista. Seria um conflito rico não fosse a forma açodada como isso se cria, afinal, o personagem masculino sai do perfil príncipe encantado para um troglodita em um curto espaço de tempo, enquanto a outra fica como sendo a voz da racionalidade.  

A ideia de roteiro como falatório me traz boas lembranças dos primeiros contatos com Fellini, Godard, Truffaut – e sobretudo Glauber. Se em Terra em transe o falatório se tornava em música celestial, o que dizer de A idade da terra? A verdade, agora revelada, é que nada aprendi com eles. Talvez tenha me faltado capacidade ou talento mesmo para mostrar que o personagem João desde o início é um direitão raivoso, babando de ódio. Ele não se transforma de príncipe encantado em troglodita de forma açodada, pelo contrário: desde o primeiro contato com Maria, no bar, isso fica claro. Vou citar um ponto, bastante marcante na conversa com o público: negar-se a cantar “João e Maria”, de Sivuca e Chico Buarque, é uma afirmação ideológica. Outro: a primeira vez que eles falam em vacina, João “cria” um neologismo: vaChina. Se me disserem que forcei a barra, que é uma incoerência usar a expressão à época da narrativa, direi que usei uma licença poética. O resto seria inverossímil.

Sobre Maria, ela não é exatamente um poço de virtudes, tanto que pensava que seu pai era o “dono” da cidade onde moravam, mas ela não critica isso; pelo contrário, não só aceita, como usufrui: seu emprego foi conseguido por seu pai... Os personagens não são chapados, como o crítico afirmou sem dizer, mas esféricos, como pedem os bons manuais da área. Mas ninguém entendeu nada. Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.

 

Aqui, entra a incapacidade de “Garrote” em conseguir pensar visualmente esta história. Desde as primeiras cenas no bar e na orla de Manaus, as cenas possuem um ar teatral com a câmera em plano aberto ou médio com os dois atores no centro. Não há closes, planos-detalhes nem mesmo um trivial plano e contraplano. Isso se agrava quando vamos para o apartamento em que não se pensa o imóvel como um personagem, algo visto diversas vezes ao longo da história do cinema – de “Gritos e Sussurros” a “Amor” e até em obras amazonenses com todas suas limitações financeiras como ocorreu com “O Barco e o Rio”, de Bernardo Abinader.  

 

Mais uma vez, dou a mão à palmatória: o apartamento foi pensado, sim, como um personagem. E seria estúpido se assim não fosse. Se não conseguimos passar essa ideia é outra coisa. O crítico não percebeu o ambiente opressivo, ajudando a esfacelar o relacionamento de João e Maria, trazendo à flor da pele os nervos decompostos. Culpa do roteiro, claro.

De resto, não sendo a minha praia, apenas pergunto-me se a falta de obviedade nos posicionamentos de câmera seria uma falha ou uma recusa de seguir o exibicionismo padrão, por parte do diretor Bruno Pantoja?

 

Sendo um filme de primeira viagem, pode-se relevar muitos dos problemas de “Garrote”, mas, isso não significa que eles não estejam lá e gritem a cada segundo. [Claro, claro, nós estamos surdos ouvindo tantos gritos.] Por fim, igual ocorrera em “O Buraco”, de Zeudi Souza, a preocupação na mensagem e condenação política à ignorância da extrema-direita é compreensível, mas, não podemos cair na armadilha que negacionistas e irresponsáveis pelo caos em Manaus – assim como machistas violentos no caso do curta estrelado por Jocê Mendes e Victor Kaleb – são exclusividade apenas dos bolsonaristas; esquerdomachos e estúpidos também sobram do lado da esquerda, infelizmente…

 É, parece que pesamos a mão esquerda. Mas, havia um propósito nisso. Nós temos um lado. E em 2026 teremos novas eleições. O povo votará, de novo, nos assassinos?


Para quem ainda não viu,
para quem quer ver de novo,
ainda tem mais Garrote,
e mais ainda terá,
pelos meses que se seguem,
para alegria do povo.

(Cordelito improvisado de João Sebastião,
poeta nefelibata, profeta do caos)