Amigos do Fingidor

terça-feira, 30 de dezembro de 2025

José, o justo

Pedro Lucas Lindoso

 

Um dos mais significativos Evangelhos do Advento trata da bela passagem em que Maria, já prometida a José, aparece grávida. Num primeiro momento, ele a repudiou em segredo. E evitou que fosse difamada. Depois, o anjo Gabriel aparece em sonho. Disse-lhe que não deveria temer. Maria estava grávida por obra do Espírito Santo. Então José a protegeu e a preservou até o nascimento de Jesus.

Muitos homens sem fé questionam a atitude de José. Para alguns seria difícil se casar com uma jovem grávida sabendo que o filho não era seu. José, homem justo e de fé, assumiu Jesus como filho.

O anjo Gabriel mandou que José lhe desse o nome de Jesus. Pela tradição judaica, ao dar nome ao filho, o pai o reconhece como tal.

A concepção de Jesus por Maria é uma promessa de Deus. José era um homem simples e reto, daqueles que carregam o peso do mundo sem fazer ruído. Vivendo nas ruas de Nazaré, ele não era famoso nem poderoso, apenas firme naquilo que acreditava ser correto.

Quando o anjo Gabriel apareceu em sonho, anunciando que Maria haveria de conceber pelo poder do Espírito Santo, José não hesitou. Ele sabia que a obediência que nasce do dever é uma virtude.

Gabriel o chamou para ser guarda da promessa. José, homem de carpintaria, viu na notícia não apenas um chamado, mas uma responsabilidade. Haveria de proteger Maria, cuidar do que viria, sem entender completamente o alcance do que ocorreria.

José não questionou os motivos, não exigiu provas. Ele confiou na verdade que se revelava através da coragem de Maria e da bondade do desconhecido que, de forma divina, já caminhava entre eles.

E naquela noite de estrelas apenas começava a grande travessia que encerraria em uma manjedoura, nos campos de Belém, sob o brilho tímido de uma esperança que iluminaria o mundo.

O anjo havia pedido uma confiança que se traduzia em ações, não em palavras grandiosas. E José respondeu com o que melhor sabia fazer: oferecer abrigo, proteção e um lar simples, onde o milagre pudesse acontecer sem pressa, sem pressões.

Que possamos aprender com José que o verdadeiro heroísmo pode nascer no toque firme de uma mão que segura outra e no cuidado diário. E que, mesmo quando as estradas são áridas, a justiça de José ilumine nossos caminhos. Não por poder, não por reconhecimento, mas pela dignidade de um coração que acolhe, mesmo sem entender tudo, quem chega com uma promessa de vida. Como chega todo ano o Menino Deus. É o Natal.

 

domingo, 28 de dezembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCLV

 

A orla dos Remédios, na perspectiva da Ilha de Monte Cristo.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Eternidade líquida

Marília Kubota

 

no futuro

serei uma autora esquecida

como hoje sou esquecida

para apagar a luz do banheiro

ou pagar a conta de luz

para anotar endereços

no smartphone

ou me candidatar

como aspone do poeta de vanguarda

 

no futuro

serei uma autora esquecida

como hoje sou esquecida

abram a página 48

e leiam o poema como um jogo

não como algo a ser lembrado

séculos e séculos

tatuado no rabo da lagartixa

que nem tal se você é cânone

 

ser esquecida é igual a esquecer

embora poeta não seja igual a poetisa

tente vir-a-ser neste mundo líquido

seu poema será pintado em shopping

você receberá diploma de bom poeta

será aplaudida em aniversários

nestes eventos fantásticos

agradecerá gesticulando sem parar

pedindo pelo amor quero ser esquecida

 


terça-feira, 23 de dezembro de 2025

A tardor, o outono em Barcelona

Pedro Lucas Lindoso

 

Idalina sempre viaja para Europa, quando acaba o verão por lá. Os meses de setembro e outubro são ótimos para curtir o velho continente. Desta vez, decidiu ficar quinze dias em Barcelona, cidade em que uma amiga de infância a esperava como uma antiga jazz music em meio às pedras da Ladeira de Sant Felip Neri. Depois seguiria para Paris e Lisboa, antes de retornar ao Brasil. Idalina quis aproveitar o outono, em catalão, chamado “a tardor”.

A palavra tardor carrega consigo uma doçura que parece respirada de uma vitrola antiga. Não é apenas a estação. É a pausa que o corpo faz para ouvir o tique-taque das folhas que se rendem ao chão. Em Barcelona, a tardor não vem de supetão. Chega devagar, com brisa deliciosa e com o perfume de castanhas assadas que invadem o ar das praças. Os dias de tardor chegam com uma paleta que parece ter sido escolhida por um pintor que gosta de segurar a respiração. O dourado das folhas, o rubor suave das sombras sobre as fachadas. Idalina caminha pela cidade como quem lê um poema antigo. Cada esquina revela um recorte de tempo. A luz baixa que se derrama sobre o mar, os telhados de terracota, que lembram vinhos envelhecidos, as sombras de Gaudí, que parecem ouvir a conversa das árvores.

Idalina e sua amiga passeiam nas habituais rotas entre o Bairro Gótico e El Born, onde cada mural conta uma história de amor, cada esquina abriga uma lembrança de quem já vivenciou a cidade com o coração aberto.

A amiga de infância a recebeu com um abraço que sabe da juventude que um dia foi, e que retorna, porém mais sábia, para partilhar a tarde na beira da praia de Barceloneta. Elas conversam sobre o tempo, sobre as escolhas que as levaram a caminhos diferentes, e sobre a alegria de encontrar-se novamente em uma cidade que parece sempre nova, mesmo quando já se fez parte do seu mapa pessoal.

A Sagrada Família, que, sob a luz suave da tardor, revela detalhes ocultos em roxo e ocre, como se o tempo estivesse trabalhando em um vitral de paciência. As ruas de Eixample, onde as fachadas de granito guardam histórias de outras eras, enquanto a tarde se coloca de modo poético entre os telhados. Ao entardecer, Idalina ouve a melodia de artistas de rua que tocam violões e saxofones.

O jantar é simples: pão com tomate, azeite, uma taça de vinho e uma risada que se transforma em promessa para o dia seguinte.

Quando a tardor chegar ao fim, com a última folha a ser levada pela brisa, Idalina guarda na mala não apenas lembranças, mas também uma nova maneira de perceber o tempo. Barcelona, em quinze dias, ensinou-lhe que o outono não é apenas uma estação, é uma forma de olhar o mundo.  Com pausas, com amizades antigas e importantes, com a certeza de que as belezas da vida resistem ao passar dos dias.

Ao retornar ao Brasil, levará consigo o perfume das tardes de tardor, o calor de uma amizade que acolheu a infância, e a alegria de ter vivido, por um breve instante, sob o encanto de uma cidade que sabe transformar o cotidiano em poesia. E, quem sabe, ao descrever essas férias de tardor em Barcelona, possa ainda inspirar seu dileto sobrinho cronista a fazer mais uma de suas crônicas semanais.

  

domingo, 21 de dezembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCLIV

 

Lloyd Bank, em Manaus.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Prisca Agustoni

 

lendo Bertolt Brecht

em noite de chuva

 

O poeta vive em estado de exílio

– dentro e fora do perímetro

inexato do verso, em perene risco

de infarto

 

– sempre tendo seu inimigo

preso numa coleira

como cão ao seu encalço

 

o poeta carrega sua floresta,

a Schwarzwald da infância

na maleta negra,

junto aos manuscritos,

junto aos poucos objetos:

 

um rádio de seis válvulas,

sua segunda caixa torácica

 

:boca habitada por outros

com a qual respira

e conspira outra fuga

über die Grenze, noch einmal

nach Norden 

 

:Praga, Svendborg, Lidingö

itinerário de uma queda

infinita rumo ao norte

 

a floresta segue ao seu flanco

cada dia mais dura

cada dia mais branca

 

e de lá subir mais, e subindo

in extremis no último vagão

da noite para Vladivostok,

 

o poeta faz da própria vida

seu maior palco, aberto

à práxis e à ira dos cupins



terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Tradição natalina catalã: fica a dica

Pedro Lucas Lindoso

 

A cada final de ano, o cronista enfrenta o dilema de escrever uma crônica de Natal que seja original. Os melhores cronistas brasileiros já esgotaram todas as possibilidades. E ainda há os jornalistas, articulistas, autoridades constituídas, pessoas do clero, professores e alunos. Muitos viram cronistas inspirados numa época em que todos parecem ficar com o coração amolecido. E então surgem inspirações e ideias para saudar as pessoas e o mundo pelo Natal.

Ninguém esquece o coitado do peru, não o país, mas a ave. Antes, morria de véspera. Com o advento do congelamento, morre meses antes. O peru já serviu de personagem para muitas crônicas natalinas. O Papai Noel nem se fala. A maioria esquece o aniversariante do dia. Ele que veio Menino para nos salvar.

Quando procuro inspiração vou para a varanda, olho para o céu, respiro fundo e volto para o quarto, deito e começo a matutar. Abro o facebook e vejo mais uma do Professor de português Marcos Neves. Ele sempre aborda curiosidades do Português, origem de palavras e constantemente adentra em aspectos culturais. Mesmo porque língua e cultura são conceitos inseparáveis e que se agregam.

Foi então que fiquei sabendo do “caganer”. Daria uma boa crônica, pensei. Mas fiquei apreensivo. Pode ser desrespeitoso e até herético. Mas, ante a busca por originalidade, resolvi apostar. Depois que a miss Brasil se vestiu do Nossa Senhora e não houve protesto da Igreja, tudo é possível.

O Caganer é um bonequinho típico de Barcelona, na Espanha. É figura tradicional de Natal. Trata-se de um boneco camponês agachado, com calças abaixadas, defecando no presépio, simbolizando boa sorte, fertilidade e prosperidade para o ano seguinte. Como fazemos na Semana Santa com o judas, enforcando uma celebridade ou um político, o caganer pode “homenagear” alguém. Uma figura pop, um político de destaque ou qualquer celebridade do momento.

O presépio catalão reúne os personagens comuns em qualquer presépio tradicional. Lá estão Maria e José, o menino Jesus na manjedoura. Há os animais e alguns pastores. Mas você irá encontrar um pequeno boneco escondido entre os personagens tradicionais com as calças arriadas, fazendo discretamente suas necessidades. O caganer geralmente se veste com calças pretas, camisa branca e o clássico boné catalão vermelho chamado de barretina. Às vezes, ele aparece fumando um cachimbo e lendo um jornal. É a parte engraçada de algo que deveria ser muito sério, explica o povo de Barcelona. Uma cidade alegre, cosmopolita e irreverente. O boneco é tão popular que conta com a sua própria sociedade, a Associação dos Amigos do Caganer. Alguém aí se arrisca a colocar um caganer em seu presépio? Fica a dica!

 

domingo, 14 de dezembro de 2025

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Vórtex

Anna Apolinário

 

Com audácia, manejar

os gumes da fala.

Em êxtase,

no deserto da lauda

exaurir o sangue,

signos em agudo auge.

Incansável navalha,

na retina, exato entalhe.

 

Tensionar a entranha,

instaurar o arremate.

Dar de comer ao verbo

a própria carne,

o corpo doado

a tudo o que for delírio,

demolição.

Este talento obscuro,

infernal júbilo,

labuta e consumição.

  

terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Diversidade linguística

Pedro Lucas Lindoso

 

O Brasil é um país continental. A língua oficial é o Português.  Mas há outros idiomas falados por brasileiros. Diversas tribos indígenas espalhadas pelo Brasil conservam seus idiomas nativos. O interessante também é que estados e regiões, além do sotaque característico, há palavras e expressões próprias. Em Minas temos o “uai”. Na Bahia e grande parte do Nordeste usa-se muito “oxente”. No Pará e Amapá é comum a interjeição “égua!”. E “pai d'égua!”.

O paranaense fala muito “dai". Daí. No Amazonas, a corruptela de "tu és leso" virou “teleso”. “Bá!” “Tche!”. Exclamam os gaúchos. “É capaz”, responde o catarinense. Esses são poucos exemplos, a diversidade é grande.

O Brasil não é apenas extensão de mapa. O país é um mosaico de vozes. Cada região carrega um timbre próprio, que revela memórias, calor humano e formas distintas de perceber o mundo.

Em Minas, o “uai” não é apenas uma palavra, é um ritmo de esperar, duvidar e, principalmente, de exercer aquilo que os mineiros chamam de mineiridade.

Para o nordestino raiz, o “oxente” acena como um alarme suave: é quando a surpresa se encontra com a resistência. Oxente não é dúvida só: é celebração da persistência, é rir do tropeço enquanto se segue em frente.

Na nossa Amazônia, a fé na palavra é tão forte quanto o rio. Interjeições como “égua” e “pai d'égua” atravessam a conversa como flechas de humor, lembrando que a expressão pode ser ferramenta de afeto, de provocação ou de proteção.

No Paraná, se diz “dai” quase como um abrir de portas E também de fechá-las, daí. Então, vamos além do imediato, daí. Quando a fala se abre o caminho. Entre araucárias, rios, e entre nuvens de terra e memória. Daí, dando ênfase ao final de frases.

Enquanto aqui no nosso Amazonas, o falar ganha o som da floresta: tu és leso se transforma em “teleso”; “tu é doido”. Reflete o espanto ou indignação. Coisas que perduram na garganta dos amazonenses. No nosso Amazonas, as palavras escapam e se entrelaçam na riqueza de uma diversidade linguística própria. Como é nossa diversidade de frutas e plantas. Entre samaúmas e cipós.  E como o vento que bate nas sapopemas, carregando histórias de quem vive nos beiradões dos rios ou na Manaus urbana de todas as gentes e cores.

O gaúcho exclama palavras e expressões, como quem monta a frase sob o céu aberto. O paulista costura a vida com palavras e gírias de megalópole. Enquanto os cariocas exportam e amplificam o português gostoso das novelas.

Essas expressões não são apenas curiosidades. São redes de memória, identidade e pertencimento. A língua é um mapa de gente, que nos mostra que no Brasil não existe um falar único. Mas uma sinfonia de vozes que se conversam, às vezes se desafiam, mas quase sempre se reconhecem como parte do mesmo chão. Que possamos ouvir mais, rir mais, aprender com o outro sem perder o próprio timbre. Porque é na convivência entre sotaques que o país revela sua riqueza: não apenas no que dizemos, mas no modo como dizemos.

 

domingo, 7 de dezembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCLII

 

Segunda Ponte Romana, na antiga rua Municipal.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Alma corsária

Claudia Roquette-Pinto

 

De tanto sono me baixa uma lucidez estranha

em que a amendoeira pousa, luminosa, rara,

sob o fundo escuro da noite meio baça

(cilíndrica, roliça, bizarra)

seu vulto verde acocorado sobre a água

da piscina que não tem um pensamento.

 

Eu sinto inveja dessas águas anuladas

tão plácidas, idênticas ao próprio contorno

enquanto eu mesma nem sei onde começo,

quando acabo

e sofro o assédio de tudo o que me toca.

 

O mundo ora me engole, ora me vara

e tudo o que aproxima me desterra.

Chorei, ao ver no chão da cela,

o botão arrancado na contenda,

os óculos pisados do escritor judeu.

 

Tenho um coração que estala

com o peteleco das palavras de Clarice.

Numa vila miserável na Bahia,

um negro lindo, lindo,

dança ao som do corisco

 e só me apaixono por casos perdidos,

homens com um quê de irremediável.

 

Mais de uma vez, imóvel, circunspecta,

vi abrir-se a máquina do mundo

sob a luz inclinada de Ipanema,

na Serra da Bocaina, no meio da floresta,

no alto da escada no topo do morro

por onde a moça sequestrada vinha subindo

debaixo das lágrimas do pai.

 

Mais de uma vez meu coração trincou feito vidro

diante da página impressa,

e sempre que a palavra justa vem tirar seu mel

de dentro da copa do desespero de amor.

 

Acredito, do fundo das minhas células,

que uma amizade sincera é o único modo de sair da solidão

que um espírito tem no corpo.

 

Sim, eu acredito no corpo.

 

Por tudo isso é que eu me perco

em coisas que, nos outros,

são migalhas.

Por isso navego, sóbria, de olho seco,

as madrugadas.

Por isso ando pisando em brasas

até sobre as folhas de relva,

na trilha mais incerta e mais sozinha.

 

Mas se me perguntarem o que é um poeta

(Eu daria tudo o que era meu por nada),

eu digo.

 

O poeta é uma deformidade.



terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Traje atípico

Pedro Lucas Lindoso

 

Tia Idalina, como sempre, adora bater um papo via Whatsapp.  Eu muitas vezes ligo para titia para saber as novidades. Ela sempre tem uma opinião sobre fatos, podcasts, notícias de jornal impresso, programas de TV e outras mídias.

Idalina assiste a concursos de miss. Disse-lhe que achava esses concursos um tanto démodé. O charme dos anos sessenta e setenta não existe mais. As moças de hoje ficam todas muito parecidas, com idade indefinida. Antigamente as misses eram garotas solteiras, com, no máximo, 24 anos. Hoje há mulheres casadas e algumas quase balzaquianas, sem querer ser incorreto ou misógino.

Ela concordou comigo. Mas assiste para ver até onde vai a falta de bom senso e a ousadia da produção. E o nível de despreparo e cafonice de algumas candidatas. Então o assunto foi o Concurso de Miss Universo 2025. De acordo com Idalina este é o mais prestigiado e possivelmente o mais antigo.

Foi no certame de 1954 que a baiana Martha Rocha ficou em segundo lugar por ter duas polegadas a mais. Como se sabe, nos Estados Unidos não se usa metro e centímetros. Ora, uma polegada equivale a 2,54 centímetros. Então Martha Rocha perdeu por pouco mais que cinco centímetros. Titia me disse que foi na cintura. O traje típico de Martha Rocha foi, evidentemente, de baiana. Fez sucesso.

O Amazonas não esquece a sua eterna miss Terezinha Morango. Também ficou em segundo lugar. O traje típico de Terezinha também foi de baiana. Hoje seria de cunhã-poranga. Mas naquele longínquo ano de 1957, o traje típico oficial das brasileiras era de baiana, graças a famosa Carmen Miranda.

Sobre o assunto traje típico, Idalina me disse que nesse ano a brasileira se superou na questão de falta de senso, desrespeito, cafonice e quiçá um ato de heresia. Como assim heresia, perguntei. E ela indignada, estupefata e até certo ponto nervosa, disparou:

– Aquela pequena nossa representante teve a audácia de se fantasiar de Nossa Senhora Aparecida. Quando vi aquilo quase tive um troço. Traje totalmente inapropriado. A moça errou feio. Em outros tempos poderia ser excomungada. Eu já vi de tudo nessa vida. Mas esse tipo de heresia é a primeira vez. Não se brinca nem se desrespeita Nossa Senhora. Vestir-se de Nossa Senhora Aparecida para desfilar no Miss Universo foi algo inadmissível. Perguntei-lhe onde havia sido o concurso. Ela me disse que foi em Bangkok na Tailândia. Quem venceu foi a mexicana. Ora, a brasileira poderia ter ido de baiana! Aquilo não é traje típico. É traje atípico.

 

domingo, 30 de novembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCLI


O Relógio Municipal, em primeiro plano;
à direita, o muro do Aviaquário e a escadaria que leva à Matriz.

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Poemas aos homens do nosso tempo

 

Hilda Hilst (1930-2004)

III

homenagem a

Natalia Gorbanievskaya

 

Sobre o vosso jazigo

— Homem político —

Nem compaixão, nem flores.

Apenas o escuro grito

Dos homens.

 

Sobre os vossos filhos

 — Homem político —

A desventura

Do vosso nome.

 

E enquanto estiverdes

À frente da Pátria

Sobre nós, a mordaça.

E sobre as vossas vidas

— Homem político —

Inexoravelmente, nossa morte.

 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

Casamento, uma coisa!

Pedro Lucas Lindoso

 

Tive um papo muito engraçado com tia Idalina domingo passado. Uma pessoa, já concursada como funcionária pública federal, que foi ao México assistir à Copa de 70. Com esticada em Acapulco. Não pode ter só 70 anos. Aliás, por ter ido passear em Acapulco já denuncia que titia não é mais uma menina. Ninguém vai lá depois de Cancún.

Mas o assunto não é esse. No prolongado bate papo via Whatsapp, titia, horrorizada, descreveu o casamento do sábado anterior. Filha de uma amiga de praia. Riquíssima. O marido ficou milionário quando ganhou uma licitação para vender quentinhas para o estado, município e presídios federais. O noivo também ficou rico de uma hora para outra. Montou uma startup e fez sucesso imediato. Dinheiro não falta. Mas falta bom senso.

Na decoração da igreja havia tantas flores que dizer que estava extravagante é elogio. Um mural verde com flores à esquerda tampava a Imagem de Nossa Senhora. À direita não se via a imagem do santo padroeiro.

Havia 60 casais de padrinhos. 30 do noivo e 30 da noiva. Um exagero. O noivo entrou com o Hino do Flamengo. O vestido da noiva, levemente transparente e decotado. Segundo Idalina, inadequado para um ato religioso. Dois cachorros vestidos de Flamengo entraram para as alianças. Que na verdade chegou por um drone.

A recepção foi num enorme salão transformado em Maracanã. Com trave, juiz e tudo. No placar FLAMENGO 5 VISITANTE 0. Os convidados recebiam a última versão da camisa oficial do Flamengo. Alguns convidados substituíram o paletó pela camisa. Outros recebiam o mimo com um leve constrangimento.

Uma banda liderada por uma cantora habitué do Domingão animou a festa até altas horas. A única coisa elogiável, de acordo com tia Idalina, foi o buffet. Comida e bebida farta e gostosa.

 O bolo da noiva era tão gigantesco que os noivos sumiam nas fotos. Aliás. havia uma equipe fotografando e filmando para os noivos. Mas quatro casais de padrinhos também contrataram equipes de cinegrafistas.  A grande quantidade de profissionais atrapalhou a celebração e deixou o padre celebrante irritado. A homilia foi sobre humildade e temperança. Os noivos não entenderam o recado. Mas alguns convidados sentiram vergonha alheia.

No final, a cerimonialista desmaiou. Chamaram o SAMU. Como diria a saudosa Danuza Leão, uma coisa!


domingo, 23 de novembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCL

 

A rua Fileto Pires teve vários nomes.
Desde 1922, chama-se avenida Sete de Setembro. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Minha família

Solano Trindade (1908-1974)

 

À Dione Silva

 

Minha família é incontável

eu tenho irmãos em todas as partes do mundo

minha esposa vive em todos os continentes

minha mãe se encontra

no Oriente e no Ocidente

meus filhos são todas as crianças do universo

meu pai são todos os homens dignos de amor

 

Por que chorar pelo amor de uma mulher?

Por que estreitar o mundo de um lar

por que prender-me a uma rua

a uma cidade, a uma pátria?

Por que prender-me a mim mesmo?

 

Oh! Bandeiras,

Enfeitai os meus caminhos!

Oh! Músicas,

Ritmais os meus passos!

Oh! Pares, vinde para que eu baile

E possa conhecer todos os meus

Parentes.