Amigos do Fingidor

terça-feira, 23 de dezembro de 2025

A tardor, o outono em Barcelona

Pedro Lucas Lindoso

 

Idalina sempre viaja para Europa, quando acaba o verão por lá. Os meses de setembro e outubro são ótimos para curtir o velho continente. Desta vez, decidiu ficar quinze dias em Barcelona, cidade em que uma amiga de infância a esperava como uma antiga jazz music em meio às pedras da Ladeira de Sant Felip Neri. Depois seguiria para Paris e Lisboa, antes de retornar ao Brasil. Idalina quis aproveitar o outono, em catalão, chamado “a tardor”.

A palavra tardor carrega consigo uma doçura que parece respirada de uma vitrola antiga. Não é apenas a estação. É a pausa que o corpo faz para ouvir o tique-taque das folhas que se rendem ao chão. Em Barcelona, a tardor não vem de supetão. Chega devagar, com brisa deliciosa e com o perfume de castanhas assadas que invadem o ar das praças. Os dias de tardor chegam com uma paleta que parece ter sido escolhida por um pintor que gosta de segurar a respiração. O dourado das folhas, o rubor suave das sombras sobre as fachadas. Idalina caminha pela cidade como quem lê um poema antigo. Cada esquina revela um recorte de tempo. A luz baixa que se derrama sobre o mar, os telhados de terracota, que lembram vinhos envelhecidos, as sombras de Gaudí, que parecem ouvir a conversa das árvores.

Idalina e sua amiga passeiam nas habituais rotas entre o Bairro Gótico e El Born, onde cada mural conta uma história de amor, cada esquina abriga uma lembrança de quem já vivenciou a cidade com o coração aberto.

A amiga de infância a recebeu com um abraço que sabe da juventude que um dia foi, e que retorna, porém mais sábia, para partilhar a tarde na beira da praia de Barceloneta. Elas conversam sobre o tempo, sobre as escolhas que as levaram a caminhos diferentes, e sobre a alegria de encontrar-se novamente em uma cidade que parece sempre nova, mesmo quando já se fez parte do seu mapa pessoal.

A Sagrada Família, que, sob a luz suave da tardor, revela detalhes ocultos em roxo e ocre, como se o tempo estivesse trabalhando em um vitral de paciência. As ruas de Eixample, onde as fachadas de granito guardam histórias de outras eras, enquanto a tarde se coloca de modo poético entre os telhados. Ao entardecer, Idalina ouve a melodia de artistas de rua que tocam violões e saxofones.

O jantar é simples: pão com tomate, azeite, uma taça de vinho e uma risada que se transforma em promessa para o dia seguinte.

Quando a tardor chegar ao fim, com a última folha a ser levada pela brisa, Idalina guarda na mala não apenas lembranças, mas também uma nova maneira de perceber o tempo. Barcelona, em quinze dias, ensinou-lhe que o outono não é apenas uma estação, é uma forma de olhar o mundo.  Com pausas, com amizades antigas e importantes, com a certeza de que as belezas da vida resistem ao passar dos dias.

Ao retornar ao Brasil, levará consigo o perfume das tardes de tardor, o calor de uma amizade que acolheu a infância, e a alegria de ter vivido, por um breve instante, sob o encanto de uma cidade que sabe transformar o cotidiano em poesia. E, quem sabe, ao descrever essas férias de tardor em Barcelona, possa ainda inspirar seu dileto sobrinho cronista a fazer mais uma de suas crônicas semanais.