Pedro Lucas Lindoso
Idalina
sempre viaja para Europa, quando acaba o verão por lá. Os meses de setembro e
outubro são ótimos para curtir o velho continente. Desta vez, decidiu ficar
quinze dias em Barcelona, cidade em que uma amiga de infância a esperava como
uma antiga jazz music em meio às
pedras da Ladeira de Sant Felip Neri. Depois seguiria para Paris e Lisboa,
antes de retornar ao Brasil. Idalina quis aproveitar o outono, em catalão,
chamado “a tardor”.
A
palavra tardor carrega consigo uma doçura que parece respirada de uma vitrola
antiga. Não é apenas a estação. É a pausa que o corpo faz para ouvir o
tique-taque das folhas que se rendem ao chão. Em Barcelona, a tardor não vem de
supetão. Chega devagar, com brisa deliciosa e com o perfume de castanhas
assadas que invadem o ar das praças. Os dias de tardor chegam com uma paleta
que parece ter sido escolhida por um pintor que gosta de segurar a respiração.
O dourado das folhas, o rubor suave das sombras sobre as fachadas. Idalina
caminha pela cidade como quem lê um poema antigo. Cada esquina revela um
recorte de tempo. A luz baixa que se derrama sobre o mar, os telhados de
terracota, que lembram vinhos envelhecidos, as sombras de Gaudí, que parecem
ouvir a conversa das árvores.
Idalina
e sua amiga passeiam nas habituais rotas entre o Bairro Gótico e El Born, onde
cada mural conta uma história de amor, cada esquina abriga uma lembrança de
quem já vivenciou a cidade com o coração aberto.
A amiga
de infância a recebeu com um abraço que sabe da juventude que um dia foi, e que
retorna, porém mais sábia, para partilhar a tarde na beira da praia de
Barceloneta. Elas conversam sobre o tempo, sobre as escolhas que as levaram a
caminhos diferentes, e sobre a alegria de encontrar-se novamente em uma cidade
que parece sempre nova, mesmo quando já se fez parte do seu mapa pessoal.
A
Sagrada Família, que, sob a luz suave da tardor, revela detalhes ocultos em
roxo e ocre, como se o tempo estivesse trabalhando em um vitral de paciência.
As ruas de Eixample, onde as fachadas de granito guardam histórias de outras
eras, enquanto a tarde se coloca de modo poético entre os telhados. Ao
entardecer, Idalina ouve a melodia de artistas de rua que tocam violões e
saxofones.
O
jantar é simples: pão com tomate, azeite, uma taça de vinho e uma risada que se
transforma em promessa para o dia seguinte.
Quando
a tardor chegar ao fim, com a última folha a ser levada pela brisa, Idalina
guarda na mala não apenas lembranças, mas também uma nova maneira de perceber o
tempo. Barcelona, em quinze dias, ensinou-lhe que o outono não é apenas uma
estação, é uma forma de olhar o mundo.
Com pausas, com amizades antigas e importantes, com a certeza de que as
belezas da vida resistem ao passar dos dias.
Ao
retornar ao Brasil, levará consigo o perfume das tardes de tardor, o calor de
uma amizade que acolheu a infância, e a alegria de ter vivido, por um breve
instante, sob o encanto de uma cidade que sabe transformar o cotidiano em
poesia. E, quem sabe, ao descrever essas férias de tardor em Barcelona, possa
ainda inspirar seu dileto sobrinho cronista a fazer mais uma de suas crônicas
semanais.