Amigos do Fingidor

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Encontro das águas: triunfo do bom senso

Tenório Telles


A histórica decisão do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan), que tombou o Encontro das Águas, é uma vitória do bom senso, da responsabilidade e compromisso com as riquezas naturais do país. A deliberação do Iphan foi mais que isso: foi um ato de coragem e independência, pois contrariou interesses poderosos de empresas e pessoas que não costumam considerar as aspirações coletivas.

A preservação do espaço natural mais conhecido do Amazonas e um dos mais importantes do Brasil é uma evidência de que nem tudo está perdido em nossa sociedade e de que existem pessoas capazes de agir com isenção, de forma técnica e responsável.

Surpreso e emocionado com o êxito da luta de um punhado de homens e mulheres que se colocou a serviço dessa causa, lembrei-me do poeta Alcides Werk e de sua poesia entranhada das águas, da terra, das cores, magia e cheiros amazônicos.

Alcides foi um dos homens, que conheci, mais apaixonados pela Amazônia. Sua relação com esse universo era tão intensa que o transformou em fundamento de sua poesia e razão de ser de sua vida.

Leitor de sua obra, veio-me à memória seu delicado poema “Da opção”, que expressa seu fascínio e encantamento com a pátria das águas: “Um belo mundo/ de muitos lagos/ de muitos rios.// Um belo mundo de muitas matas/ de muitas vidas/ elementares.// Um belo mundo/ de muitas lendas/ de muitas mortes/ antecipadas.// Velhas estórias/ de água e florestas.// O homem e a terra.// – Eu canto para o homem”.


A batalha pelo Encontro das águas encerra várias lições: a mais significativa é que a resistência social é o caminho para a sociedade fazer valer seus interesses. O outro aprendizado evidencia a importância da união dos que combatem por uma causa. Os defensores da Ponta das Lajes se mantiveram unidos e firmes, apesar das pressões e da indiferença de muitos que poderiam ter ajudado, mas que se esquivaram com receio de se comprometer.

O comportamento do Iphan regional, de algumas lideranças políticas e de inúmeras entidades ambientais figurará na história como exemplo de oportunismo e negligência com suas atribuições legais e sociais. Essa experiência fortaleceu em mim a certeza de que para triunfarmos na vida é imperativo acreditar, persistir e ter convicção.

O tombamento do Encontro das Águas é resultado de uma aliança entre intelectuais, cientistas, escritores e lideranças comunitárias. A população da Colônia Antonio Aleixo deu a esta cidade uma lição de resistência e dignidade. Foram os verdadeiros responsáveis por esse feito. Essa gente simples teve no seu Barretinho, Marisa Lima e dona Maria do Carmo os melhores exemplos de coragem, compromisso social e cidadania.

O apoio dos romancistas Márcio Souza e Milton Hatoum ajudou a repercutir o movimento a favor da preservação. O jornalista Washington Novaes foi uma voz particular nessa luta. A vitória, entretanto, não teria sido possível sem a liderança e a persistência do antropólogo Ademir Ramos, sobretudo sem a poesia e a capacidade de articulação do poeta Thiago de Mello, que se tornou o grande patrono dessa causa.
A luta, entretanto, não terminou. O próximo passo é trabalharmos para que o entorno do Encontro das Águas seja transformado numa área de preservação, com um grande parque público para que as pessoas possam usufruir da beleza e encanto desse lugar mágico, que é um presente de Deus.

Numa cidade que vive de costas para o rio, a Ponta das Lajes é o porto onde o povo desta terra pode se encontrar com seus rios sagrados, afirmativos de sua identidade. Sem o Negro, o Solimões e o Amazonas não seríamos o que somos.