Amigos do Fingidor

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A miragem elaborada – 11

Zemaria Pinto

O homem ocupa o espaço

X


E a morte faz-se presente também na natureza: “O ouro do rio Amana”, publicado na terceira edição de Trilha Dágua, é um réquiem apaixonado, um canto patético pela impotência com que o observador constata a destruição ao seu redor. O espaço transforma-se. O selvagem e primitivo – o rio Amana é afluente do rio Parauari, no médio Amazonas – dá lugar a um outro tipo de selvageria. O ritmo é frenético:

                    Chegaram dragas, pontões,
                    canoas, motores, balsas


                    escafandros, pás, bateias,
                    mecanismos de sucção

A paisagem devastada é revelada pela interrogação:

                    Cadê tuas ariranhas,
                    tuas antas e capivaras,
                    teus tambaquis, tuas piranhas
                    pretas, teus pirarucus
                    teus surubins, teus pacus,
                    araris e pirararas?

A lista é extensa: patos selvagens, inambus, tanguruparás, japiins, ciganas, uirapurus, guaribas, caititus, socós-boi, jacarés-pedra, tracajás. A resposta à indagação é dada pelo próprio observador, no mesmo frenesi registrado na invasão:

                               as vilas vão-se formando
                    nas margens, e em cada tenda
                    há muitas coisas à venda
                    e mulheres de aluguel


                               há muito cabra-da-peste,
                    e cenas de faroeste,
                    cachaça, carne-de-lata,
                    cigarro, pilha, sardinha,
                    leite-moça, mosquiteiro,
                    lanterna, charque do Sul.

No seu lamento, contudo, o poeta-observador prevê que, esgotado o ouro, o velho rio voltará a ser dos seus, deixando entrever um sonho antigo quando registrara em “Das Fronteiras”, de Da Noite Do Rio:

                    Quando se esgotar o meu tempo de luta,
                    construirei minha morada entre árvores sadias e simples

Em “O ouro do rio Amana”, não é outra sua intenção:

                    Depois do caso passado,
                    mesmo sabendo que és triste,
                    quero fazer um roçado,
                    levantar um tapiri,
                    deixar o mundo de lado
                    e morar perto de ti.