Amigos do Fingidor

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A fragmentação das torres – 6

Marco Adolfs

Vera, amiga da Ana Maria


“Se pelo menos aquele Cristo ali em cima resolvesse se movimentar e descer para nos salvar de toda essa desgraça aqui embaixo...” Ana Maria vai se arriscar, se tiver um amante. Ah!... Eu que gostaria de arranjar um também. Mas não tenho coragem. Também, esse meu militar que só sabe bater continência e ir para o clube jogar baralho, seguro de si, sempre me impôs um certo respeito referencial. Mas estou cansada disso tudo. Uma filha que fugiu com um vagabundo e um filho todo certinho seguindo os passos do pai. Zezinho e Fernando não fazem nada que não esteja roteirizado. Deveriam fazer cinema. Não, são péssimos atores. Eu que deveria ter entrado pro cinema. Ser igual a Marília Pêra. Agora estou aqui, fazendo pasteizinhos para o idiota do meu marido comer com cerveja, enquanto vê televisão. Depois ainda tem coragem de vir para cima de mim e me babar toda com aquela sua língua acostumada a dar ordens militares. Detesto militares. Não sei onde estava com a cabeça quando olhei para ele. Bom, eu havia bebido muito e ele tinha um papo bom. Mas também, logo nasceu a Débora. Tão fofinha e gorduchinha que parecia um algodão doce de morango. Agora fugiu com aquele malandro do morro e sabe-se lá onde está. Mulher é bicho besta mesmo. O Zezinho é que me exaspera, com aquela sua mania de tudo explicar nos mínimos detalhes e pormenores como se fosse um robô programado pela existência. Programado pelo Fernando. Um machão e um machinho. Eles me dão na telha. Ai! Malditos pastéis de sábado. A gente se sacrifica como uma condenada passando calças, trocando fraldas e fritando pastéis em troca desse abandono. Se eu também arranjar um amante talvez o meu sorriso na direção do Fernando se torne mais sincero e alegre. Talvez os filhos me respeitem mais. E se o Fernando arranjasse uma amante? Uma daquelas enfermeiras boazinhas do Hospital Militar? Eu saberia logo pelas fofoqueiras do Circulo Militar. “Seu coronel de uma figa!” Encurralaria ele como um cachorrinho entre as paredes. Não, o Fernando é uma mosca morta para fazer isso. “Se pelo menos aquele Cristo ali em cima resolvesse se movimentar e descer para nos salvar de toda essa desgraça aqui embaixo?” Meu Deus, acho que estou ficando louca igual a dona Helena, que não para de olhar para o Cristo do Corcovado. Que será que ela pensa? E ainda tem essas balas perdidas para nos preocupar. Por que – Fernando – os militares não sobem o morro e matam todos esses bandidos? O Fernando nunca me respondeu essa pergunta. Um dia uma bala dessas entra aqui, varando o vidro da janela que nem balão e espocando em cima da gente. Onde será que a Débora está a essa hora? “Quantos pastéis o senhor vai querer comer hoje à noite, coronel?”