Zemaria Pinto
Fruto, ele mesmo, de uma união irregular, posteriormente legitimada, Eça de Queirós utiliza o tema “mulheres proibidas” nos seus principais romances, O crime do Padre Amaro, O primo Basílio e Os Maias, para coroá-lo no último: A tragédia da Rua das Flores. Entre tantas proibições impostas pela moral burguesa da segunda metade do século XIX, a questão do incesto é apenas um item a mais na lista das “proibições”, sem as quais, afinal, um bom romance, como uma vida razoavelmente movimentada, não é nada.
AMÉLIA − filha da S. Joaneira, concubina do Cônego Dias, o destino não reservara a Amélia sorte diferente à da mãe: apaixonada pelo Padre Amaro, rompe com o noivo, e mantém um relacionamento muito comum nos estreitos limites da província. Grávida, entretanto, é conduzida ao aborto e à morte prematura. Se Amélia é ingênua e sonhadora, Amaro é sórdido e medíocre: abraçara a carreira religiosa sem nenhuma convicção e suas ações são tidas e havidas como corriqueiras no viciado ambiente clerical português. Eça mostra a face corrompida e hipócrita daquele segmento que tanta influência exercia junto à sociedade de sua época.
LUÍSA − criada rigorosamente dentro dos padrões românticos, rica, ociosa, sonhadora e entediada, Luísa trai o marido com o primo canalha e canastrão, Basílio, que, não por acaso, fizera fortuna no Brasil, no negócio da borracha... Luísa é burra e extremamente frágil. Dominada por Basílio, sofre com o adultério e deixa-se envolver pela criada Juliana, que, sabedora dos fatos, inverte os papéis senhora/criada. O marido acaba descobrindo tudo, e Luísa, como as heroínas românticas que faziam sua cabecinha oca, morre, lentamente, acometida de uma “febre nervosa”. Aqui, Eça escreve um libelo contra o falso moralismo pequeno-burguês, que condena o adultério, mas induz a ele de forma sistemática.
MARIA EDUARDA − os irmãos Maia, Carlos e Maria Eduarda, protagonizam, de forma inconsciente, como Édipo e Jocasta, um caso de incesto. Grandioso painel da alta burguesia portuguesa do século XIX, Os Maias não termina em tragédia, embora os amantes se separem após o esclarecimento da trama. Eça, num lance ousado de realismo e extremado lirismo, conduz Carlos da Maia, já conhecedor da identidade de sua amada, ao leito de Maria Eduarda, numa atitude desesperada, mas lúcida, como a reafirmar uma última tentativa de negação à proibição daquele amor proibido.
GENOVEVA − Mas não se pode falar das “mulheres proibidas” de Eça de Queiroz sem citar a marginalizada Genoveva, de A Tragédia da Rua das Flores. Quer dizer, marginalizado é o livro, não a personagem. Publicado 80 anos após a morte de Eça, A Tragédia repete o tema do incesto: Genoveva, inconscientemente, como Jocasta, de novo, torna-se amante de seu próprio filho, Vítor. Ao tomar conhecimento da verdade, ela se mata. Vítor fica sem saber o motivo do suicídio da mulher amada. Obra menor, a crítica foi unânime em abominar esse texto de Eça, onde faltou, sem dúvida nenhuma, o polimento final do gênio.
Os textos de Eça de Queiroz inserem-se na realidade de seu tempo. Eça coloca-se a serviço da República, no combate às viciadas instituições vigentes: a monarquia, a igreja, a família, o ideal burguês. Na famosa carta a Teófilo Braga, apensa ao Primo Basílio, ele afirma com todas as letras: “eu não ataco a família − ataco a família lisboeta”. Mais adiante, após explicar os elementos que compõem essa família a partir de personagens seus, ele arremata: “uma sociedade sobre estas falsas bases, não está na verdade: atacá-las é um dever.” É um dever.
Obs: a ideia foi do Inácio Oliveira, que à época - 1996/97? - editava o caderno de cultura do Amazonas em tempo. A ele dedico.