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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Deontologias das boas práticas de curar e julgar



João Bosco Botelho

A palavra deontologia, em torno do conjunto ético-moral, alcançou a maior parte das especialidades sociais. Na Medicina, apareceu pela primeira vez, em 1845, no Congresso Médico de Paris, no trabalho do médico M. Simon, intitulado “Deontologia médica ou dever e direitos dos médicos no estado atual da civilização”. No Direito, em época equidistante, por meio dos escritos do filósofo inglês Jeremy Benthan, considerado fundador do Utilitarismo.

De modo interessante, os códigos de ética do médico e do julgador comportam fundamentos estruturantes deontológicos semelhantes:

– O médico e o julgador devem estar sempre a serviço do indivíduo, respeitando a vida e sua dignidade;

– O médico e o julgador devem exercer a profissão com liberdade de decidir.

Existe clara aproximação entre as construções das éticas da Medicina e do Direito ajustadas à busca da materialidade, respectivamente, da doença e do delito, nas primeiras cidades. Nas culturas que se desenvolveram mais intensamente no segundo milênio a. C., no Oriente, as práticas médicas também estavam dependentes das ideias e crenças religiosas por meio de deusas e deuses taumaturgos.

O rei Hammurabi (1728-1686 a.C), da Babilônia, autor do código de Hammurabi, atribuiu deveres e direitos aos médicos e julgadores, além de estabelecer o valor do pagamento pelos serviços e penalidades pela má prática.

Em 1531 a.C., o rei Hitita Mursuli I saqueou e incendiou a capital babilônica. O último descendente de Hammurabi, Sansuditana (1561-1531 a.C.) parece ter morrido nessa batalha. Acredita-se que os elamitas, sob o comando do rei Shutruknahhum, invadiram a Babilônia no ano 1155 a.C. e levaram como presa de guerra para Susa a pedra de diorito negro, onde está gravado na escrita cuneiforme o código de Hammurabi.

Os membros da expedição arqueológica francesa de Morgan, nas escavações da acrópole da capital elamita de Susa, encontraram o diorito negro com dois metros de altura, contendo o código de Hammurabi, hoje, conservado no Museu do Louvre, em Paris.

Apesar de o código de Hammurabi não ter sido a primeira tentativa de legislar os conflitos envolvendo médicos e julgadores, fora das crenças e idéias religiosas, reconheceu a importância de os conflitos gerados nos trabalhos médicos serem julgados, certamente, como instrumento capaz de provocar resposta disciplinadora da autoridade dominante.

Antes de Hammurabi, outros dirigentes legislaram no Oriente Antigo as relações sociais conflituosas. Os mais conhecidos: o código do rei Ur-Nammu (2050-2030 a.C.), a coleção de leis de Urukagima, de Lagas; da mesma época, o código do rei Bilalama, de Eshnuma, (1825-1787 a.C.) e o de Lipit-istar, de Isin, (1875-1865 a.C).


O Código de Hammurabi permite entender certos critérios, sempre em torno dos bons resultados, das leis que regiam a ação médica, na Babilônia, governada pelo rei Hammurabi. Se pensarmos que as leis também exercem função de evitar conflitos, os artigos penalizando ou premiando o médico, por estarem na mesma coluna daquela regulamentando as profissões dos barbeiros, pedreiros e barqueiros, é possível pressupor um elo comum: se tratavam de categorias envolvidas em conflitos inquietantes à administração. Dessa forma, somente a ação do julgador, ligado ao poder dominador, estaria organizada para mediar os conflitos capazes de gerar instabilidade social.