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quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Medicina e Direito no Código de Hammurabi



João Bosco Botelho

As construções sociopolíticas, no processo histórico, sugerem as leis, também surgem a partir das necessidades sociais. Sob esse pressuposto teórico, o Código de Hammurabi coibiu os maus resultados das práticas médicas que geravam conflito social.

Dessa forma, o Direito e a Medicina, nesse ponto, inauguraram níveis de convivência que continuam se reconstruindo até os dias atuais, isto é, o julgador se interpõe favorecendo os interesses pessoais e coletivos frente às práticas médicas consideradas desajustadas dos bons resultados. 

As principais fontes históricas que fornecem informações das práticas médicas e da presença dos julgadores, na Mesopotâmia, são as tábuas de escrita cuneiforme da biblioteca de Assurpanibal e Hammurabi. Esses registros também apontam que a Medicina babilônica, sob a atenção do Direito, iniciou processo consistente fora da dominância das ideias e crenças religiosas:
– Entender e dominar as formas e funções do corpo;
– Estabelecer parâmetros do normal e da doença;
– Vencer as limitações impostas pelo determinismo da dor e da morte fora de controle.

Um dos fortes indícios da presença da Medicina e do Direito em convivência fiscalizadora, gerando respostas que beneficiaram os doentes, reconhecidos pelas estruturas de poderes, é exatamente o Código de Hammurabi, do fim do século 16 a.C.

Na realidade, esse código de leis constitui a primeira estrutura estabelecendo os limites dos direitos e deveres dos médicos, pagamento pelos bons serviços e severas punições pela má prática, associando a boa Medicina ao bom resultado. Também é interessante assinalar que os preços e castigos variavam de acordo com o estamento do doente. Os maiores preços pelos serviços prestados e castigos mais severos pelos maus resultados estavam ajustados aos doentes mais ricos e socialmente importantes.

Dos 282 artigos do Código de Hammurabi, doze regulavam os trabalhos dos médicos, contidos no conjunto de outros tratando dos veterinários, barbeiros, pedreiros e barqueiros. No trabalho dos médicos, as leis identificavam as boas e más práticas médicas voltadas exclusivamente aos resultados de cirurgias. É possível que os conflitos entre médicos e doentes fossem mais significativos nos procedimentos invasivos, os cirúrgicos, isso é, onde o tratamento incisava a pele ou a mucosa.

Os direitos e deveres dos médicos que executavam procedimentos invasivos e os dos doentes submetidos às cirurgias estavam vinculados, estritamente, à ordem escravista numa sociedade rigidamente hierarquizada. Nesse sentido, o pagamento pela boa prática, bem como o castigo e a indenização da má prática, eram proporcionais à importância social do doente: quanto maior a posição social do doente, mais dispendioso o pagamento e os castigos mais severos.

É importante ressaltar que o Código de Hammurabi, legislando de modo explícito somente as cirurgias, sugere que os conflitos sociais determinados pelos maus resultados alcançaram níveis de conflitos suficientes para gerar respostas administrativas por meio do julgador credenciado pelo poder dominante.

A presença do Direito, no convívio controlador da prática médica, valorizando os bons resultados, está inserida na fundamentação maior de manter a vida, refletindo aspiração humana que se perde no tempo. Dessa forma, na Mesopotâmia, no período Hammurabi, apesar de as doenças serem consideradas como mal, associado ao pecado, ocorreu o início do processo laico, para o controle das atividades profissionais, em especial, a da Medicina.