Amigos do Fingidor

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Lábios que beijei 35


Zemaria Pinto
Joyce


Joyce tinha um bordão, usado sempre que nos despedíamos: – quando quiser me comer me liga. A impostação afetada de musa noir e o olhar chispando zombaria. Nos encontrávamos pelos bares da cidade, depois do expediente. Ela trabalhava em uma loja do Centro, próxima ao banco. Acho que era sócia. Nos anos 1970, mulher que trabalhava fora e entrava sozinha em um bar era puta. Joyce não era puta, era uma senhora de muito respeito. Uns 10 anos mais nova que eu, branquíssima e de formas adequadas mas sem relevâncias, Joyce reinava nas rodas masculinas. Durante um tempo, medido em anos, eu tive a preferência. Aos poucos nos afastamos, até que um dia ela me apresentou seu novo “namorado”, engenheiro conhecido na cidade, casado, como eu, bon vivant. Naquela noite de muita alegria, ela até ensaiou uns passos da habanera de Carmen sobre uma mesa do bar, para delírio geral. O amor é um pássaro rebelde. E o desejo também. Ao nos despedirmos, Joyce me beijou no rosto e sussurrou, dengosa: – quando quiser me comer me liga.