Amigos do Fingidor

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Príncipes da igreja na medicina medieval


João Bosco Botelho


Os grandes teóricos do cristianismo, como Abelardo, em Paris, Bernard, em Chartre, e Tomás de Aquino, em Paris, iniciavam o processo de resgate doutrinário das obras de Platão e Aristóteles, ajustando-os aos preceitos cristãos, determinando novas leituras da ética cristã, que alcançaram a ética da Medicina.
– Pedro Abelardo, filósofo e teólogo escolástico, é considerado um dos príncipes intelectuais da igreja, como professor da iniciante Universidade de Paris, semente da futura Sorbonne, que funcionava junto à catedral de Notre Dame, na época, em construção. Esse notável sacerdote defendeu de forma enfática, junto aos seus alunos, filhos de burgueses abastados ou religiosos importantes, outras leituras bíblicas para amenizar alguns dogmas, frutos de equivocadas interpretações bíblicas. Entre as abordagens mais importantes, a leitura crítica da Bíblia, a luz da razão, acabou renovando a Escolástica na problemática da relação entre a fé e a razão.
– Bernardo de Chartres, se dedicou mais aos estudos dos neo-platônicos e Aristóteles, e, como Reitor da Escola de Chartres, reforçou a presença dos conceitos universais, a despeito da fé. Por essa razão, o conjunto teórico que defendia se estruturou em três categorias da realidade: Deus, matéria e ideia. 
– Tomás de Aquino, filósofo e teólogo, também professor da Universidade de Paris, fundou a síntese do cristianismo sob a visão aristotélica, que originou novos rumos da Igreja, contendo uma Teologia firmada na revelação, e uma Filosofia baseada no exercício da razão humana, fundindo a fé e a razão no rumo de Deus, sempre defendendo não haver conflito entre fé e razão. 
 A partir da primeira metade do século 14, para alguns grupos sociais, houve melhores condições para construir outros patamares do poder eclesiástico com o objetivo de ajustar as práticas médicas às novas realidades, especialmente, comerciantes e cirurgiões-barbeiros mais esclarecidos, que desejavam melhores resultados das práticas médicas.
Jean Pitard, um dos mais conhecidos cirurgiões-barbeiros, com fácil trânsito com o poderoso arcebispado de Paris, fundou a Confraria dos Cirurgiões, sob a guarda de São Cosme e São Damião. Pela primeira vez, desde o desmonte das práticas médicas greco-romanas, alguns cirurgiões-barbeiros que aderiram à Confraria, introduzem normas éticas voltadas aos bons resultados, sem esquecer as marcas da caridade cristã. Ao manterem o claro vínculo com o poder eclesiástico, escolheram a sede próxima da catedral de Notre Dame, e vestiram roupas diferenciadas que os distinguiam dos que permaneceram contrários ao novo código ético das confrarias.
A laicização da caridade, reafirmando as diretrizes neo-testamentárias, compondo um Deus que perdoa, foi identificada na afirmação de François-René Chateaubriand: “A caridade, virtude absolutamente cristã e desconhecida dos antigos, nasceu com Jesus Cristo; é essa a virtude que distingue o homem dos outros mortais e foi o selo de renovação da natureza humana”.
As decisões do Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, colocando a Igreja em sintonia com os Estados fortes, para superar o avanço das ideias luteranas, moldou as bases na caridade laicizada, como a unção dos enfermos e o reconhecimento de leigos na graça santificante.
A intensificação da caridade como instrumento de controle social conseguiu atenuar o brutal contraste entre os poucos com muito dinheiro e a maioria esmagadora sem nada. Dessa última parcela, constituíam os mendigos itinerantes, que assaltavam e matavam os que viajavam sem a proteção dos cavaleiros dos senhores feudais.
Nessa parcela da população se abateu os rigores da fome após os primeiros surtos da peste negra.