João Bosco Botelho
Os grandes teóricos do cristianismo, como Abelardo, em Paris,
Bernard, em Chartre, e Tomás de Aquino, em Paris, iniciavam o processo de
resgate doutrinário das obras de Platão e Aristóteles, ajustando-os aos
preceitos cristãos, determinando novas leituras da ética cristã, que alcançaram
a ética da Medicina.
– Pedro Abelardo, filósofo e teólogo escolástico, é considerado
um dos príncipes intelectuais da igreja, como professor da iniciante
Universidade de Paris, semente da futura Sorbonne, que funcionava junto à catedral
de Notre Dame, na época, em construção. Esse notável sacerdote defendeu de
forma enfática, junto aos seus alunos, filhos de burgueses abastados ou
religiosos importantes, outras leituras bíblicas para amenizar alguns dogmas,
frutos de equivocadas interpretações bíblicas. Entre as abordagens mais
importantes, a leitura crítica da Bíblia, a luz da razão, acabou renovando a
Escolástica na problemática da relação entre a fé e a razão.
– Bernardo de Chartres, se dedicou mais aos estudos dos
neo-platônicos e Aristóteles, e, como Reitor da Escola de Chartres, reforçou a
presença dos conceitos universais, a despeito da fé. Por essa razão, o conjunto
teórico que defendia se estruturou em três categorias da realidade: Deus,
matéria e ideia.
– Tomás de Aquino, filósofo e teólogo, também professor da
Universidade de Paris, fundou a síntese do cristianismo sob a visão
aristotélica, que originou novos rumos da Igreja, contendo uma Teologia firmada
na revelação, e uma Filosofia baseada no exercício da razão humana, fundindo a
fé e a razão no rumo de Deus, sempre defendendo não haver conflito entre fé e
razão.
A partir da primeira
metade do século 14, para alguns grupos sociais, houve melhores condições para
construir outros patamares do poder eclesiástico com o objetivo de ajustar as
práticas médicas às novas realidades, especialmente, comerciantes e
cirurgiões-barbeiros mais esclarecidos, que desejavam melhores resultados das
práticas médicas.
Jean Pitard, um dos mais conhecidos cirurgiões-barbeiros, com
fácil trânsito com o poderoso arcebispado de Paris, fundou a Confraria dos
Cirurgiões, sob a guarda de São Cosme e São Damião. Pela primeira vez, desde o
desmonte das práticas médicas greco-romanas, alguns cirurgiões-barbeiros que
aderiram à Confraria, introduzem normas éticas voltadas aos bons resultados,
sem esquecer as marcas da caridade cristã. Ao manterem o claro vínculo com o
poder eclesiástico, escolheram a sede próxima da catedral de Notre Dame, e
vestiram roupas diferenciadas que os distinguiam dos que permaneceram contrários
ao novo código ético das confrarias.
A laicização da caridade, reafirmando as diretrizes
neo-testamentárias, compondo um Deus que perdoa, foi identificada na afirmação
de François-René Chateaubriand: “A caridade, virtude absolutamente cristã e
desconhecida dos antigos, nasceu com Jesus Cristo; é essa a virtude que
distingue o homem dos outros mortais e foi o selo de renovação da natureza
humana”.
As decisões do Concílio de Trento, entre 1545 e 1563,
colocando a Igreja em sintonia com os Estados fortes, para superar o avanço das
ideias luteranas, moldou as bases na caridade laicizada, como a unção dos
enfermos e o reconhecimento de leigos na graça santificante.
A intensificação da caridade como instrumento de controle
social conseguiu atenuar o brutal contraste entre os poucos com muito dinheiro
e a maioria esmagadora sem nada. Dessa última parcela, constituíam os mendigos
itinerantes, que assaltavam e matavam os que viajavam sem a proteção dos
cavaleiros dos senhores feudais.
Nessa parcela da população se abateu os rigores da fome após
os primeiros surtos da peste negra.