Amigos do Fingidor

quinta-feira, 26 de abril de 2018

A busca da arqueologia da doença



João Bosco Botelho


A principal diferença entre as práticas médicas oficiais (autorizadas pelos Estados), as empíricas (resultantes do conhecimento historicamente acumulado) e as divinas (estruturadas na fé de todos os matizes, nas quais é crível que a matéria vida pode ser modificada pela ação divina) está assentada no fato de a oficial moldar o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento a partir de propostas teóricas.
Esse conjunto histórico apresenta três momentos ou cortes epistemológicos, na linguagem de filósofo francês Gaston Bachelard:
– A teoria dos Quatro Humores elaborada pela Escola Médica de Cós, da Grécia, no século 4 a.C. Naquela época, pela primeira vez, a doença recebeu abordagens fora do domínio das divindades e passou à materialidade do corpo por meio de quatro humores: sanguíneo, fleumático, bilioso preto e bilioso amarelo. A saúde seria a resultante dos humores equilibrados e a doença, o contrário. Durante quase vinte séculos, para equilibrar os humores, as sumidades da medicina faziam sangrias e prescreviam substâncias que provocavam a diarreia e o vômito.
– No século 17, o aperfeiçoamento das lentes de aumento polidas, a partir das publicações de Marcelo Malpighi (1628 1694), deslocou a busca da doença do corpo visível na direção das estruturas invisíveis aos olhos desarmados, iniciando o pensamento micrológico, que diagnostica a infecção, o tumor benigno ou maligno.
– No século 19, os geniais estudos do frade agostiniano Gregor Mendel (1822 1844), não sabendo que mudaria definitivamente a compreensão da matéria viva, impulsionaram a passagem da celular e bacteriana (diagnóstico da infecção e do tumor) à molécula, inaugurando o pensamento molecular, lembrando que existem milhões de moléculas numa única célula e em uma bactéria. O produto final será a completa compreensão dos genes, não só a simples identificação gênica do projeto Genoma, mas a identificação da função de cada gene. Apesar da extraordinária importância, o projeto genoma só mapeou os genes, muito distante da futura compreensão de como eles funcionam inter-relacionados com a diversidade dos seres viventes.
Mesmo com os imensos avanços da ciência da compreensão da arqueologia das doenças, no pequeno intervalo de tempo, o médico percebe mais dúvidas do que certezas, no cotidiano da prática profissional, sem poder evitar o sofrimento fora de controle e a morte prematura. Essa realidade é mais visível em certos cânceres, algumas doenças causadas por vírus e outras compreendidas como distúrbios de comportamentos e imunomoduladas.
Essa é uma das grandes sagas da inteligência humana: continuar empurrando os limites da vida sem compreender completamente a arqueologia da doença, onde o normal se transforma em doença!
Com o conhecimento atual caminhando em direção à estrutura atômica, muito além da molécula, é claro supor que esse será o caminho da busca da arqueologia da doença nos próximos séculos (já lastimo não estar presente): a busca da cura entre os átomos! Representará para a ciência o advento do quarto corte epistemológico da medicina – o pensamento atômico – trazendo novas respostas para continuar empurrando o limite da vida.
Por outro lado, existem questões importantes não resolvidas que interligam as medicinas oficiais e divinas: existiriam pessoas com poderes excepcionais – dom – suficientes para curar pessoas, isto é, mudar a estrutura da matéria viva fora das leis físicas que regem o universo?