Amigos do Fingidor

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

A poesia é necessária?



Desistência                                            
                                        Tainá Vieira                                                                                                     


cansei de ser mulher!
não quero mais a tal  delicadeza dos fatos
não quero lavar pratos
e nem fazer café

jogo tudo para o espaço
– a sensualidade, o sexo, a beleza
a boca pintada, os olhos
que seduzem e simulam alegrias ou  tristezas

não quero ser submissa
a essa sociedade machista
quero apenas ter liberdade
e não fingir felicidade
regada de amor e carinho

cansei de ser mulher
os saltos fazem doer terrivelmente as minhas pernas
não suporto ter que lavar os cabelos
e escolher os vestidos

quero viver sem pensar no que as pessoas vão achar de mim
quando eu for a um evento, sair na rua, ou  de  ônibus,
não quero ser observada

não quero ouvir ordem na hora do sexo
não quero ser a última a falar e não ser escutada
não quero ser  uma simples mulher por trás de um homem qualquer

não quero mais ser a filha que a mãe nunca amou
e que o pai a renegou por não ser homem
não quero mais ser a mulher boa o bastante
pra aceitar tudo – até mesmo as amantes

cansei de ser mulher
quero esquecer tudo o que vivi
não quero guardar essas lembranças
de alegrias ou tristezas
que me farão chorar e sofrer

me tornando mais uma  velha melancólica
no asilo
à mercê da compaixão dos outros
abandonada pelos filhos que não pari

minha vida como mulher é uma fraude,
não tenho um corpo perfeito, nem sou uma intelectual...
desisto!
não almejo viver cento e pouco anos
– estes vinte e três já me cansam demais!