Desistência
Tainá Vieira
cansei de ser mulher!
não quero mais a tal delicadeza dos fatos
não quero lavar pratos
e nem fazer café
jogo tudo para o espaço
– a sensualidade, o sexo,
a beleza
a boca pintada, os olhos
que seduzem e simulam
alegrias ou tristezas
não quero ser submissa
a essa sociedade machista
quero apenas ter
liberdade
e não fingir felicidade
regada de amor e carinho
cansei de ser mulher
os saltos fazem doer
terrivelmente as minhas pernas
não suporto ter que lavar
os cabelos
e escolher os vestidos
quero viver sem pensar no
que as pessoas vão achar de mim
quando eu for a um
evento, sair na rua, ou de ônibus,
não quero ser observada
não quero ouvir ordem na
hora do sexo
não quero ser a última a
falar e não ser escutada
não quero ser uma simples mulher por trás de um homem
qualquer
não quero mais ser a
filha que a mãe nunca amou
e que o pai a renegou por
não ser homem
não quero mais ser a
mulher boa o bastante
pra aceitar tudo – até
mesmo as amantes
cansei de ser mulher
quero esquecer tudo o que
vivi
não quero guardar essas
lembranças
de alegrias ou tristezas
que me farão chorar e
sofrer
me tornando mais uma velha melancólica
no asilo
à mercê da compaixão dos
outros
abandonada pelos filhos
que não pari
minha vida como mulher é
uma fraude,
não tenho um corpo
perfeito, nem sou uma intelectual...
desisto!
não almejo viver cento e
pouco anos
– estes vinte e três já
me cansam demais!