Pedro Lucas Lindoso
Trabalho numa empresa em via de transformações. As pessoas
estão se mudando. De cidade e de estado. Algumas encaram a mudança com
tranquilidade. A maioria não. Não querem se mudar.
Os peruanos, ao desejar o mal para alguém, dizem
enfaticamente:
– Desejo que te mudes.
Para alguns, a pior praga que se possa rogar aos deuses é
desejar a alguém que se mude. Pode-se entender como um desejo de que a pessoa
desapareça de seu convívio. Penso que as duas interpretações são válidas. Em
muitas situações, as mudanças são um estrago na vida e no patrimônio das
pessoas.
Eu sempre acho que toda mudança é para melhor. Mas não é o
que que pensam as pessoas que estão em mudanças compulsórias. Muitas vezes um
dos cônjuges tem emprego ou situação definida que não possibilita acompanhar o
“transferido”. Há os que tem pais idosos. Outros com situação inconciliável
envolvendo filhos e netos.
Nos anos de 1960, em Brasília, havia muitos cariocas que
detestavam a cidade. Foram transferidos compulsoriamente do Rio para a nova
capital. Contavam os dias para retornar
ao Rio de Janeiro. Era um domingo. Caminhávamos de volta para casa, após a
missa na Igrejinha de Fátima. Alguém gritava pela janela de um típico
apartamento de funcionários públicos:
– Consegui minha transferência de volta. Adeus cidade
poeirenta e maldita. Vou voltar para o meu Rio de Janeiro.
A pessoa repetia, gritando para o mundo ouvir. Aquelas
palavras gritadas em alto e bom som ecoavam por toda a cidade. Naqueles dias
Brasília era muito silenciosa. Poucos carros. Amplos espaços. Especialmente aos
domingos. Um silêncio mortal. Um silêncio absoluto. Silêncio quebrado
inexoravelmente por aqueles gritos de despedida e inusitado desabafo.
Quando se fala em mudanças, viagens e transferências
compulsórias, sempre me vem à mente a figura do Judeu Errante. Câmara Cascudo,
em “Dicionário do folclore brasileiro”, nos explica que o Judeu Errante se
chamava Ahasverus. Era um sapateiro em Jerusalém. Ao ver Jesus Cristo com a
cruz, teria dito: “Vá andando, vá logo”.
Por isso, teria sido condenado a vagar, sem descanso nem rumo certo, até
o final dos tempos.
Há um lenda pernambucana de que o Judeu Errante teria
imigrado para Pernambuco, no tempo dos holandeses. Um amigo mineiro me disse
que o tal Judeu Errante viveu incógnito no norte de Minas.
Eu tenho a minha teoria. O Judeu Errante terminou seus dias
aqui em Manaus, no fausto do Ciclo da Borracha. Se hoje Manaus é considerada
longe, naquela época era o local onde “Judas perdeu as botas". Afinal ele
era sapateiro.