Amigos do Fingidor

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Mudanças, viagens e transferências



Pedro Lucas Lindoso


Trabalho numa empresa em via de transformações. As pessoas estão se mudando. De cidade e de estado. Algumas encaram a mudança com tranquilidade. A maioria não. Não querem se mudar.
Os peruanos, ao desejar o mal para alguém, dizem enfaticamente:
– Desejo que te mudes.
Para alguns, a pior praga que se possa rogar aos deuses é desejar a alguém que se mude. Pode-se entender como um desejo de que a pessoa desapareça de seu convívio. Penso que as duas interpretações são válidas. Em muitas situações, as mudanças são um estrago na vida e no patrimônio das pessoas.
Eu sempre acho que toda mudança é para melhor. Mas não é o que que pensam as pessoas que estão em mudanças compulsórias. Muitas vezes um dos cônjuges tem emprego ou situação definida que não possibilita acompanhar o “transferido”. Há os que tem pais idosos. Outros com situação inconciliável envolvendo filhos e netos.
Nos anos de 1960, em Brasília, havia muitos cariocas que detestavam a cidade. Foram transferidos compulsoriamente do Rio para a nova capital.  Contavam os dias para retornar ao Rio de Janeiro. Era um domingo. Caminhávamos de volta para casa, após a missa na Igrejinha de Fátima. Alguém gritava pela janela de um típico apartamento de funcionários públicos:
– Consegui minha transferência de volta. Adeus cidade poeirenta e maldita. Vou voltar para o meu Rio de Janeiro.
A pessoa repetia, gritando para o mundo ouvir. Aquelas palavras gritadas em alto e bom som ecoavam por toda a cidade. Naqueles dias Brasília era muito silenciosa. Poucos carros. Amplos espaços. Especialmente aos domingos. Um silêncio mortal. Um silêncio absoluto. Silêncio quebrado inexoravelmente por aqueles gritos de despedida e inusitado desabafo.
Quando se fala em mudanças, viagens e transferências compulsórias, sempre me vem à mente a figura do Judeu Errante. Câmara Cascudo, em “Dicionário do folclore brasileiro”, nos explica que o Judeu Errante se chamava Ahasverus. Era um sapateiro em Jerusalém. Ao ver Jesus Cristo com a cruz, teria dito: “Vá andando, vá logo”.  Por isso, teria sido condenado a vagar, sem descanso nem rumo certo, até o final dos tempos.
Há um lenda pernambucana de que o Judeu Errante teria imigrado para Pernambuco, no tempo dos holandeses. Um amigo mineiro me disse que o tal Judeu Errante viveu incógnito no norte de Minas. 
Eu tenho a minha teoria. O Judeu Errante terminou seus dias aqui em Manaus, no fausto do Ciclo da Borracha. Se hoje Manaus é considerada longe, naquela época era o local onde “Judas perdeu as botas". Afinal ele era sapateiro.