Amigos do Fingidor

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Parentes do mesmo rio, nossos irmãos



Pedro Lucas Lindoso


Os povos da floresta costumam chamar todos de suas aldeias de parentes. Assim como nós usamos a palavra conterrâneo. Em recente evento patrocinado pelo programa socioambiental onde trabalho, Raimundo Paumari, da etnia Paumari, se referia a todos de sua comunidade do rio Tapauá como parentes. E dizia que seus parentes não acreditavam no projeto porque eram teimosos. “Os parentes Paumari são teimosos”, dizia ele. No início não colaboravam com o projeto do manejo do pirarucu. Felizmente bem-sucedido.
 Os portugueses que vivem no Brasil costumam chamar seus compatriotas de patrícios. Como se sabe, os patrícios eram os que constituíam a aristocracia na Roma antiga. Hoje significa pessoa da mesma pátria, compatriota ou conterrâneo. Já os libaneses costumam se tratar por primos. Ou “brimos”, porque confundem o p com o b.
Aqui no nosso Amazonas, muitas vezes o rio é que merece aquele sentimento de “torrão natal”, expressão que pode se referir à terra, lar, nação, país, pátria, ninho. E aqui se estende aos rios. Meu pai que nasceu em Manicoré, no rio Madeira, costumava dizer que gente do Madeira é gente da melhor qualidade.
De fato, vejo as pessoas do interior se referirem aos rios que banham suas cidades. Fulano é do Juruá, o rio mais sinuoso do mundo. Sicrano é de Lábrea, no rio Purus. Manacapuru é a princesa do Solimões. Itacoatiara fica à margem esquerda do grande Amazonas.
Raimundo, cujo sobrenome é o mesmo de sua etnia, se referia muito aos parentes Paumari. Mas não esquecia de mencionar o rio Tapauá. Além do rio há o município do mesmo nome, a cidade de Tapauá. Em toda a sua fala, ele não mencionou a cidade, sempre o rio.
De fato, o rio para os ribeirinhos é de fundamental importância. O rio dá a subsistência pelos peixes. É o meio de locomoção. É a grande referência. O regime das águas determina a vida e a cultura dos que vivem na Amazônia. No primeiro semestre do ano chove mais e o rio fica cheio. Depois vem a vazante e tudo muda. Tudo depende das águas. Tudo é pelos rios e por causa dos rios.
E assim vivem Raimundo e seus parentes teimosos, lutando pela sobrevivência nos rios amazônicos. E ele, em especial, no seu Tapauá.
O Menino Deus nasce todo ano no Natal em uma estrebaria de Belém da Judeia. Aqui nascem meninos Paumari em tapiris, nossas palhoças amazônicas.
Meninos Paumari que não são nossos parentes, mas nossos irmãos. É tempo de lembrar o maior ensinamento do Cristo: amai-vos uns aos outros. E sejamos todos irmãos em Cristo.