Pedro Lucas Lindoso
Os povos da floresta costumam chamar todos de suas aldeias de
parentes. Assim como nós usamos a palavra conterrâneo. Em recente evento
patrocinado pelo programa socioambiental onde trabalho, Raimundo Paumari, da
etnia Paumari, se referia a todos de sua comunidade do rio Tapauá como
parentes. E dizia que seus parentes não acreditavam no projeto porque eram
teimosos. “Os parentes Paumari são teimosos”, dizia ele. No início não
colaboravam com o projeto do manejo do pirarucu. Felizmente bem-sucedido.
Os portugueses que
vivem no Brasil costumam chamar seus compatriotas de patrícios. Como se sabe,
os patrícios eram os que constituíam a aristocracia na Roma antiga. Hoje
significa pessoa da mesma pátria, compatriota ou conterrâneo. Já os libaneses
costumam se tratar por primos. Ou “brimos”, porque confundem o p com o b.
Aqui no nosso Amazonas, muitas vezes o rio é que merece
aquele sentimento de “torrão natal”, expressão que pode se referir à terra,
lar, nação, país, pátria, ninho. E aqui se estende aos rios. Meu pai que nasceu
em Manicoré, no rio Madeira, costumava dizer que gente do Madeira é gente da
melhor qualidade.
De fato, vejo as pessoas do interior se referirem aos rios
que banham suas cidades. Fulano é do Juruá, o rio mais sinuoso do mundo.
Sicrano é de Lábrea, no rio Purus. Manacapuru é a princesa do Solimões.
Itacoatiara fica à margem esquerda do grande Amazonas.
Raimundo, cujo sobrenome é o mesmo de sua etnia, se referia
muito aos parentes Paumari. Mas não esquecia de mencionar o rio Tapauá. Além do
rio há o município do mesmo nome, a cidade de Tapauá. Em toda a sua fala, ele
não mencionou a cidade, sempre o rio.
De fato, o rio para os ribeirinhos é de fundamental
importância. O rio dá a subsistência pelos peixes. É o meio de locomoção. É a
grande referência. O regime das águas determina a vida e a cultura dos que
vivem na Amazônia. No primeiro semestre do ano chove mais e o rio fica cheio.
Depois vem a vazante e tudo muda. Tudo depende das águas. Tudo é pelos rios e
por causa dos rios.
E assim vivem Raimundo e seus parentes teimosos, lutando pela
sobrevivência nos rios amazônicos. E ele, em especial, no seu Tapauá.
O Menino Deus nasce todo ano no Natal em uma estrebaria de
Belém da Judeia. Aqui nascem meninos Paumari em tapiris, nossas palhoças
amazônicas.
Meninos Paumari que não são nossos parentes, mas nossos
irmãos. É tempo de lembrar o maior ensinamento do Cristo: amai-vos uns aos
outros. E sejamos todos irmãos em Cristo.