Galáxias (fragmento)
Haroldo de Campos (1929-2003)
circuladô de fulô ao deus ao
demodará que deus te guie porque eu não posso guiá eviva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá soando como um shamisen e feito
apenas com um arame tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no
pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque
não podia popular aquela música se não canta não é popular se não afina não
tintina não tarantina e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da
mais megera miséria física e doendo doendo como um prego na palma da mão um
ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo tenso
retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol enquanto
vendem por magros cruzeiros aquelas cuias onde a boa forma é magreza fina da matéria
mofina forma de fome o barro malcozido no choco do desgosto até que os outros
vomitem os seus pratos plásticos de bordados rebordos estilo império para a
megera miséria pois isto é popular para os patronos do povo mas o povo cria mas
o povo engenha mas o povo cavila o povo é o inventalínguas na malícia da
mestria no matreiro da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia
azeitava o eixo do sol pois não tinha serventia metáfora pura ou quase o povo é
o melhor artífice no seu martelo galopado no crivo do impossível no vivo do
inviável no crisol do incrível do seu galope martelado e azeite e eixo do sol
mas aquele fio aquele fio aquele gumefio azucrinado dentedoendo como um fio
demente plangendo seu viúvo desacorde num ruivo brasa de uivo esfaima circuladô
de fulô circuladô de fulô circulado de fulôôô porque eu não posso guiá veja
este livro material de consumo este aodeus aodemodarálivro que eu arrumo e desarrumo
que eu uno e desuno vagagem de vagamundo na virada do mundo que deus que demo
te guie então porque eu não posso não ouso não pouso não troço não toco não
troco senão nos meus miúdos nos meus réis nos meus anéis nos meus dez nos meus
menos nos meus nadas nas minhas penas nas antenas nas galenas nessas ninhas
mais pequenas chamadas de ninharias como veremos verbenas açúcares açucenas ou
circunstâncias somenas tudo isso eu sei não conta tudo isso desaponta não sei
mas ouça como canta louva como conta prova como dança e não peça que eu te guie
não peça despeça que eu te guie desguie que eu te peça promessa que eu te fie
me deixe me esqueça me larga me desamarga que no fim eu acerto que no fim eu
reverto que no fim eu conserto e para o fim me reservo e se verá que estou
certo e se verá que tem jeito e se verá que está feito que pelo torto fiz
direito que quem faz cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que
me ensinou já não dá ensinamento bagagem de miramundo na miragem do segundo que
pelo avesso fui dextro sendo avesso pelo sestro não guio porque não guio porque
não posso guiá e não me peça memento mas more no meu momento desmande meu
mandamento e não fie desafie e não confie desfie que pelo sim pelo não para mim
prefiro o não no senão do sim ponha o não no im de mim ponha o não o não será
tua demão