Amigos do Fingidor

sábado, 30 de outubro de 2021

Basta! A tribo está cansada 3/4

Pedro Lucas Lindoso


TERCEIRO ATO

 

O cacique está indignado. Furioso. Olha o objeto estrategicamente depositado em cima da mesma mesa utilizada no primeiro ato. Trata-se de uma garrafa pet toda encravada de flechas. A garrafa deverá ser de bom tamanho com quantidade razoável de flechas, devendo ser facilmente reconhecida pela plateia.

 

FOTÓGRAFO: Meu Deus, Cacique! O que é isso?

CACIQUE: Nem me diga. Uma coisa abominável. Um escândalo. Total falta de respeito. Estou arrasado. Já chorei. Estou pasmado. Não consigo acreditar.

FOTÓGRAFO: Onde encontraram essa garrafa, Cacique?

CACIQUE: Um dos nossos guerreiros encontrou esse objeto estranho dentro de um cacuri, em meio aos peixes. Trouxe essa porcaria para cá. Foi um alvoroço.

FOTÓGRAFO: Imagino. Quando foi isso? Agora cedo. Ainda estão alvoroçados. Ouça o barulho. (Música alta, vozes de pessoas alteradas) Muita confusão.

CACIQUE: Ouça o que eles estão dizendo, aos gritos:

VOZES: Alguém que que fez o matapi carregou criança chorando. Quem foi esse parente? Não é possível.

CACIQUE: Provavelmente, alguém comeu pimenta verde.

FOTÓGRAFO: Vai ver que quem fez o matapi bebeu manicuera quente.

CACIQUE: Já averiguei. Ninguém desobedeceu às regras de preparo das armadilhas.

FOTÓGRAFO: Tá aí, Chefe. As armadilhas são um baita exemplo da tecnologia, da tecnologia indígena, da qual a gente conversava ontem.

CACIQUE: A tecnologia de vocês é a tarrafa e a malhadeira. Outro dia um parente nosso que veio de Manaus queria introduzir isso por aqui. Não permiti. Não vou deixar o “nylon” entrar na aldeia. Na floresta não tem “nylon”. Vamos continuar usando as armadilhas. Tanto as fixas como as móveis.

FOTÓGRAFO: Era isso que eu queria perguntar faz tempo. Quais são mesmo as armadilhas fixas?

CACIQUE: Temos o cacuri e o caiá. Para fazer essas armadilhas temos que observar algumas regras. Alguns preceitos, como disse o professor antropólogo que esteve por aqui. Cabra chato. Ficou perguntando o porquê que tem que fazer jejum antes de construir as armadilhas. Vocês brancos não fazem jejum? Perguntei a ele porque um pastor ficou aqui jejuando e ninguém sabia o porquê. Tudo ele quer saber um motivo. Por isso que eu minto para ele. Aí ele sai publicando um bocado de besteira sobre a gente. Você não. Tira as fotos. Vende. Presta contas. Nos ajuda. 

FOTÓGRAFO: Eu fotografei as cacuri e caiás. Alta tecnologia, chefe. São muito bacanas. Estruturas grandes. Com cercas oblíquas.

CACIQUE: Tá falando agora igual o professor antropólogo. O que é cercas oblíquas?

FOTÓGRAFO: Eu vi as armadilhas armadas na beira dos igarapés, das corredeiras. Eu digo que as cercas são obliquas porque elas tomam direções diferentes. As cercas são maliciosas. Como eu disse, alta tecnologia. As fotos das armadilhas fixas ficaram uma beleza.

CACIQUE: Eu quero ver. E as armadilhas móveis? Eu te disse que elas também exigem regras para serem feitas. Tem que fazer benzedura para atrair bons peixes. Não essa porcaria aí. Isso é um mau presságio. Um desrespeito.

(Nesse momento, o fotógrafo pega a pet cravada de flechas)

CACIQUE: Não mexe nisso. Deixa quieto.

(O fotógrafo coloca a pet novamente em seu lugar, em cima da mesinha)

FOTÓGRAFO: Sim, chefe. Tirei fotos maravilhosas de matapis e jequis. Ah! Tirei fotos também de um cacuri portátil. Vou mostrar todas para o senhor. Acho que vou produzir um livro só sobre as armadilhas. O que o senhor acha?

CACIQUE: O matapi é feito com talas das palmeiras. A gente amarra as talas com cipó. Na abertura a gente molda com um cipó mais forte. Mais rígido, como diz o professor. Eu aconselho a usar o matapi nos igapós, onde a correnteza é mais leve. E sempre lembro ao guerreiro que armou o matapi para ele jejuar. Não pode se assustar. Também não pode ficar fazendo algazarra, barulho.

FOTÓGRAFO: Eu gostei mesmo foi do jequi. A foto ficou maravilhosa. Parece que o jequi é bem mais elaborado. Exige uma perícia e muita tecnologia, o senhor não acha?

CACIQUE: Claro. O guerreiro tem que ser bom, Precisa conhecer artesanato. A arte de fazer jequi não é para todos. Como você viu, o jequi é um cilindro fundo em forma de cone.

FOTÓGRAFO: Eu vi. A abertura do jequi é feita em forma de funil interno. Muito interessante.

CACIQUE: Pois é. Permite a passagem para dentro, mas impede a saída dos peixes. A gente usa o jequi sempre contra a corrente.

FOTÓGRAFO: Cacique, desculpe minha insistência. O que o senhor vai fazer com essa garrafa pet toda encravada de flechas.

CACIQUE: Não sei ainda. Se o professor antropólogo estivesse por aqui, ia querer levar para a universidade dele. Como se fosse um troféu. Provavelmente ia pedir uma bolsa de estudo para fazer um pós-doutorado sobre essa coisa aí. Ia inventar tanta mentira. Mas os colegas iam aprovar e ainda recomendar a publicação. Tu queres essa porcaria?

FOTÓGRAFO: Eu quero. Vou colocar na capa do meu livro sobre as armadilhas de pescaria. Posso?

CACIQUE: Faz o que quiser. Mas se ganhar dinheiro com essa desgraça, não esqueça de nos indenizar. 

FOTÓGRAFO: Pode deixar. Eu sempre prestei contas dos meus trabalhos. Muito obrigado cacique. Obrigado mesmo.

(O fotógrafo pega a pet. Examina com admiração. Sorri de felicidade)

Mais tarde mostrarei as fotos. Até mais chefe. Essa história da pet é muito triste. É uma agressão não só à tribo. Mas principalmente à natureza. O senhor tem razão em estar triste.

(O fotógrafo sai. O cacique abaixa a cabeça e chora. Aos prantos. De repente, entra em cena o Professor Pascoal, o antropólogo e pesquisador)

PROFESSOR: Bom dia, cacique! O que foi? O senhor está chorando? O que houve?

CACIQUE: Ai meu Deus. Eu sabia que aquilo era um agouro! Um mau presságio!

PROFESSOR: Não entendi. Do que o senhor está falando?

CACIQUE: Nada não. Esquece. Como vai o senhor? Por aqui de novo? Diga a que veio.

(o Cacique não é muito receptivo nem simpático)

PROFESSOR: Desculpe incomodá-lo. O senhor já me disse que não gosta muito de pesquisadores. Mas eu preciso só de umas informações sobre saberes e tecnologias. Prometo que serei breve. Estou partindo hoje mesmo.

CACIQUE: Pois é. Estou com uma visita por aqui. Ele vai hoje também. Mas temos ainda que ver umas coisas.

PROFESSOR: Ele é da FUNAI?

CACIQUE: Que FUNAI o quê. Ele é gente fina. Da melhor qualidade.

PROFESSOR: É técnico do IBAMA?

CACIQUE: Não. O senhor como sempre, muito curioso.

PROFESSOR: Ah! Então é pesquisador. É antropólogo, sociólogo ou geógrafo. Eu o conheço? De que universidade ele é?

CACIQUE: Não é pesquisador, não é professor, não é nada disso. É meu amigo.

PROFESSOR: E o que faz aqui?

CACIQUE: O senhor é curioso e impertinente. Meu amigo é fotógrafo.

PROFESSOR: Muito interessante. Mas, cacique. Vai ser rápido. Tenho algumas perguntas aqui. Posso começar?

CACIQUE: Que jeito. Mas não venha com pavulagem! Seja objetivo. Como você mesmo me disse. Respeito é a base da confiança.

PROFESSOR: Preciso de algumas informações sobre comida. Como é feito o beiju e o doce de abacaxi que eu comi aqui?

CACIQUE: Não sei. Você tem que observar as mulheres no preparo. Vou autorizar.

PROFESSOR: Fiquei maravilhado também com o artesanato. Vocês transformam a palha em coisas lindas. Vi que as mulheres trabalham diariamente, fazendo paneiros, cestos, esteiras. E que grafismo fantástico.

CACIQUE: O que é grafismo? Faz parte da nossa epistemologia?

PROFESSOR: (rindo alto) O senhor gostou do conceito de epistemologia, né? Grafismo é o modo fantástico que vocês têm na elaboração dos traçados, nas cestarias, nas esteiras. A maneira peculiar e linda dos desenhos.

CACIQUE: É conhecimento nosso. É epistemologia nossa.

PROFESSOR: Vamos falar de pescaria. As mulheres são responsáveis pelo preparo da comida durante a pesca. Fazem peixe moqueado, que é uma delícia!

CACIQUE: Não quero falar de pescaria. Muda de assunto.

PROFESSOR: Mas por que? Muitas tribos usam arpão. Por que não é comum o uso do arpão por aqui?

CACIQUE: (em voz alta, quase gritando) Já falei que não quero falar sobre pescaria, hoje. O senhor às vezes é muito chato.

PROFESSOR: Desculpe. Não entendo. O senhor adora falar sobre pescaria... Aconteceu alguma coisa?

CACIQUE: Aconteceu. Não quero falar sobre isso.

PROFESSOR: O que foi? Algum acidente?

CACIQUE: Já disse que não vou falar. É coisa séria.

PROFESSOR: Fiquei curioso.

CACIQUE: O senhor é muito curioso.

PROFESSOR: É inerente aos pesquisadores e cientistas. Cadê o seu amigo? Gostaria de conhecê-lo.

CACIQUE: Está chegando. Lá vem ele. Mas termina logo o seu questionário.

PROFESSOR: É sobre a pesca do pirarucu. Quando visitei aqui a primeira vez, o senhor pescava muito pirarucu. Com arpão. Agora não vi mais arpão por aqui. Nem pesca de pirarucu.

CACIQUE: Eu proibi. Vamos ficar cinco anos sem pescar pirarucu. Já se passou três anos. Vamos fazer um planejamento. Um manejo planejado. Foi ideia de um sobrinho que estudou em Manaus. Tá proibida a pesca de pirarucu. Não vamos mais arrendar os nossos lagos. Tá tudo planejado. A pesca será manejada, com autorização do IBAMA e com cotas.

PROFESSOR: Que maravilha de projeto. Parabéns cacique. A pescaria vai ser onde? Só por aqui mesmo?

CACIQUE: Quando os homens e as mulheres de nosso povo deixam o centro da comunidade para pescar, os homens para caçar ou trabalhar nos roçados, e as mulheres vão à colheita de macaxeira, eles seguem os caminhos terrestres da floresta ou da margem do rio.

PROFESSOR: algum objetivo específico?

CACIQUE: para alcançar outros lugares no território. Para conhecer novos animais e coisas da floresta, também.

PROFESSOR: Muito interessante, chefe. Estou anotando tudo.

(nesse momento entra o fotógrafo, portando um notebook e sua máquina.)

FOTÓGRAFO: Bom dia. O senhor é o professor Gonçalo, o antropólogo. Conheço muito o senhor de nome.  Meu nome é Paulo André. Sou amigo do Cacique. E sou fotógrafo. Estou aqui com as fotos para mostrar para o cacique e depois parto para Manaus.

PROFESSOR:  Eu gostaria de ver as fotos.

CACIQUE: Não pode. Só depois que o Paulo André publicar e trabalhar nelas. É um trato. Como vocês dizem é cláusula de confidencialidade. Paulo, eu vou atender o professor, depois a gente analisa as fotos.

FOTÓGRAFO: Desculpe professor. Mas vocês falavam sobre pirarucu. Eu tenho uma foto antiga, essa eu posso mostrar. Né chefe?

CACIQUE: Essas antigas, pode. O senhor pode comprá-las professor.

FOTÓGRAFO: Veja essa. Que pirarucu mais lindo. Observe as nervuras. Podem chegar até sete centímetros de largura. Observe também a textura das escamas. Que peixão especial. Olha essa foto aqui. Uma cabeça de pirarucu. Linda, né? Só que agora a pesca está proibida.

CACIQUE: Eu já disse para ele. O senhor ainda tem alguma pergunta, professor?

PROFESSOR: Só queria alguma explicação sobre a agricultura de vocês. Sobre os roçados.

FOTÓGRAFO: Vou deixar vocês à vontade, depois eu volto. Vou arrumar minhas coisas para partir.

(O fotógrafo sai)

CACIQUE: Foi um espírito sagrado para nós que nos ensinou a praticar a agricultura. Diz a lenda que um pajé subiu ao céu. Então ele pediu a esse grande espírito que desse ao nosso povo todo tipo de semente. Todo tipo de plantação. Foi assim que a tribo conheceu o milho, a taioba e a macaxeira. Depois o grande espírito nos ensinou a plantar banana, batata e cará.  E o abacaxi, que fazemos o suco que o senhor tanto gosta. E fazemos também uma bebida. O aluá.

PROFESSOR: Maravilha chefe. Mas desses, pelo que vejo a mandioca, ou seja, a macaxeira, é um dos mais importantes.

CACIQUE: A macaxeira foi e é importante. Para afazer o beiju que o senhor também já falou. Com relação à tecnologia, meu avô iniciou a produção de farinha. Um povo aqui vizinho trouxe de presente para ele o tipiti.  Ele permitiu que o povo usasse a peneira dos brancos para a produção de farinha. Essa incorporação de objetos é complicada. Eu tenho celular, mas não permito “nylon” para pescaria. Usamos cacuri e o caiá, matapi e jequi. Mas vamos mudar de assunto.

PROFESSOR: Aconteceu alguma coisa com pescaria por aqui, não foi?

CACIQUE: Anote aí. Outra atividade importante aqui do nosso povo é o artesanato. Usamos muito o cipó titica e talos de arumã. São comercializados e nos dão lucro. Outra coisa que um parente me trouxe, e eu vou começar a produção por aqui em breve, é do óleo de copaíba. Meu parente da outra margem do rio me disse que o óleo de copaíba é excelente para tratamento de saúde. Tem efeito cicatrizante e é um ótimo anti-inflamatório. O senhor vai almoçar por aqui? vamos preparar peixe moqueado.

PROFESSOR: Muito obrigado pelo convite. Gostaria de sugerir ao senhor que se dedicasse também ao açaí e à coleta de castanha-do-Brasil, ou castanha-do-Pará.

CACIQUE:  Outros povos já se dedicam a isso. Aqui não temos assim muitas castanheiras. A diversidade da floresta é muito grande. Temos frutas e leguminosas que aposto que o senhor não conhece. Conhece biribá? Conhece pequiá? Temos fartura e diversidade de alimentos. E também temperos, como urucum. Que tem outras finalidades também.

PROFESSOR: Eu mencionei a castanha-do-Brasil porque na última comunidade que visitei, as mulheres produziram uns paneiros muito bonitos. Usados para carregar o ouriço da castanha. Muito interessante a produção de paneiros desse povo. Com uma diversidade incrível. Produzem diferentes tipos de paneiros com diferentes tipos de palha e taquara.

CACIQUE: Pois então. Nossa tecnologia e nossa epistemologia hão que ser respeitadas. Mas não é o que acontece. Além, claro da nossa enorme diversidade de tubérculos, frutas, castanhas e outros alimentos.

PROFESSOR: Uma outra preocupação minha é a questão da extração do látex da seringueira.

CACIQUE:  O tão falado ciclo da borracha foi uma desgraça para o nosso povo. Não gosto de falar no assunto. Foi um ciclo econômico permeado de relações econômicas predatórias e totalmente desiguais. Os relatos orais que recebi de meus pais, avós e bisavós são dramáticos. A tal economia do aviamento. Estiveram submetidos a essa economia os seringueiros, brancos nordestinos, mestiços e muitos caboclos não índios, ou descendentes de nossos povos, mas que não se reconheciam mais como índios. E claro, sobrou para a nossa gente também.

PROFESSOR: Gostaria de saber o que o senhor recebeu de informação de seus antepassados, sobre o ciclo da borracha. Como os povos indígenas foram afetados pela economia gomífera?

CACIQUE: O que eu posso dizer é que os seringais atraíram muita gente do nosso povo. Como acontece nos dias de hoje com a extração da madeira e o garimpo. Aí acontece o que sempre aconteceu: a desestruturação de nossas atividades tradicionais.  Perturbam nossos rituais, descaracterizando-os. As nossas festas ficam prejudicadas.

PROFESSOR: E no aspecto econômico?

CACIQUE: É o pior. Tanto na época da borracha, com a extração do leite das seringueiras, quanto na época em que houve muita caça para o comércio de peles de animais. Promoveu-se o endividamento dos caboclos e também do nosso povo. Endividamento e dependência dos patrões. Ficavam todos amarrados para a comercialização da produção da borracha.

PROFESSOR: Essa exploração predatória tanto da força de trabalho dos caboclos como dos índios foi dramática. E essa epidemia recente não foi a primeira. Houve muitos surtos epidêmicos. Tudo como consequência do contato entre o seu povo e a sociedade dita civilizada. 

CACIQUE: E nos fazendo cada vez mais dependente. E certamente com vontade de ter acesso a itens básicos de consumo. É por isso que tenho o cuidado de não deixar algumas coisas entrarem para ser consumidas, como o “nylon” das tarrafas.

PROFESSOR:  O senhor tem implicância com o “nylon”.

CACIQUE: É uma coisa emblemática. Mas nós vamos continuar como sempre, para pescar usando as armadilhas. Tanto as fixas como as móveis. Mas hoje não quero falar sobre nossas armadilhas e pescaria.

(nesse momento entra o fotógrafo)

FOTÓGRAFO: Foi realmente chocante o que os guerreiros acharam dentro da armadilha pesqueira. Um acinte. Uma agressão. Um desrespeito.

CACIQUE: (sussurrando para o fotógrafo) Psiu. Fica quieto. Ele vai querer ficar com aquele troço. Vai querer fazer uma tese sobre aquilo.

FOTÓGRAFO: Mas agora é meu. O senhor me deu.

PROFESSOR: De que vocês estão falando?

(fotógrafo tira a pet cravada de flechas da mochila e põe em cima da mesinha)

CACIQUE: Isso foi um erro. Você vai se arrepender. Conheço o professor.

PROFESSOR: Nossa! Então foi isso! Realmente o senhor tem razão de ficar tão abalado. Eu gostaria de ter esse objeto para estudo. Você pode me ceder?

FOTÓGRAFO: De jeito nenhum. Esse troféu é meu.

PROFESSOR: Eu compro!

FOTÓGRAFO: Não vendo.

(o professor pega o objeto e sai correndo, colocando-o na mochila. O fotógrafo dá uma pequena rasteira nele. Abre a mochila e resgata a pet flechada)

FOTÓGRAFO: O cacique tem razão. O senhor é um chato, um inconveniente, um troglodita.

PROFESSOR: Quem você pensa que é? Seu fotógrafo de meia-tigela.

FOTÓGRAFO: O cacique não gosta do senhor por causa disso. É inconveniente. Um chato. E agora queria roubar o meu presente. O cacique me deu. O senhor queria me roubar, seu ladrão!

PROFESSOR: Me respeite, eu sou um doutor. Professor universitário. Vou processá-lo.

FOTÓGRAFO: Pode processar. Eu também vou processá-lo por tentativa de roubo, ou furto, sei lá. O senhor está com inveja da minha amizade com o cacique. Ele detesta o senhor. Enquanto eu venho aqui, faço meu trabalho, contribuindo com a economia da tribo, comercializando as fotos, com toda a transparência possível, o senhor vem aqui encher o saco. Sabia que ele mente para o senhor?

PROFESOR: Eu já sou um homem velho. Senão, te enchia de porrada. Seu covarde.

FOTÓGRAFO: Covarde, eu?  Nem conheço o senhor. Deveria ter ficado na minha. Bem que o cacique falou. Não fala nada. Não mostra para ele.  E eu fui fazer a besteira de mostrar. Sou burro mesmo. Que mancada. Eu ainda tenho que mostrar as fotos para o cacique. Ele vai opinar e vai escolher algumas. Senão iria embora.

PROFESSOR: Quem vai embora sou eu. Pega essa pet encravada de flechas e enfia! Com todas as flechas. Seu babaca. Até logo cacique. Desculpe qualquer coisa. Outro dia volto para conversar melhor com o senhor. Até logo.

(O professor sai e vai embora)

FOTÓGRAFO: Vai. Se é por falta de adeus. Tchau. Vai escrever suas lorotas. E olha: fotografias não fazem cócegas na alma dos índios. Retifica teu artigo. A comunidade cientifica deve estar morrendo de rir de tuas lorotas. Te cuida, papai!

(O Cacique e o fotógrafo ficam se olhando por alguns segundos e depois caem em gargalhadas)

 

(Fim do terceiro ato.)

Conclui no próximo sábado...