ao
operário
Mailson
Furtado
era manhã
ainda sem
sol
(culpa duma
nuvem
intrometida)
duas voltas
na chave
cinco
quarteirões ao norte
pé-ante-pé
passo-ante-passo
a rua do
tamanho
do depois
e ele (sem
ele)
já cedo –
cansaço
o ônibus
inerte o embrulha e sacode
noutra rua
sem-pai-nem-mãe
o patrão
sempre ao braço
palitando
entre dois ponteiros
e ele sei lá
: num ‘tá e
não ‘tá
num ser e
não ser
ora só
pernas
ora sem
olhos
ora a
mochila
ora só a
hora de chegar
e vai
repete
bom-dias
repete o
café
repete o
anteontem
(que tanto
faz ser amanhã)
repete o que
nunca fez
sempre no
mesmo horário
lotado doutros ausentes
e
vai
no ir do
mesmo caminho
ele às
voltas
vai
futrica o
mesmo martelar
das oito
nove dez
às seis
do mesmo do
mesmo
do mesmo mês
já setembro
outra vez
sem férias
outra vez
com as mesmas coisas
outra vez
sem outras coisas
outra vez
com tantas coisas
e já sem ele
sem saber
quem
mas pra que
era
e vai o dia
que é um
nenhum
e outros seis
a tropeçar
no domingo
que é um
acidente
e vai
voltas e
idas sem mais
voltas e
idas nem mais
nem ele
(por treze
dias
ficou sem
existir
: seus registros em documentos a provar
sua
vida numa tarde foram deixados num
assalto
sem números
não tinha nome
não era gente
não tinha parentes
não tinha
nem ele –
o agora ou depois
o mesmo valor)
sem sol
o relógio já
cochila pramanhã
: um trago
no bar
um cigarro na esquina
o vale-transporte a valer
a próxima parada
já sua casa
cinco
quarteirões ao sul
duas voltas
na chave
era noite
com lua
e ele não viu
(culpa das
mesmas coisas de sempre
daquilo que não muda)