Fragmentos
poéticos
Conceição
Lima
I
Após o ardor
da reconquista
não caíram
manás sobre os nossos campos
E na dura
travessia do deserto
aprendemos
que a terra prometida era aqui
Ainda aqui e
sempre aqui.
Duas ilhas
indómitas a desbravar.
O padrão a
ser erguido
pela nudez
insepulta dos nossos punhos.
Emergiremos
do canto
como do chão
emerge o milho jovem
e nus,
inteiros recuperaremos
a
transparência do tempo inicial
Puros
reabitaremos o poema e a claridade
para que a
palavra amanheça e o sonho não se perca.
II
Transitório
é este tempo que te divide
sem o
saberes
transitórias
as águas, os tambores quebrados
transitória
a noite que à noite sucede
sem te veres
Transitória
a pálida bruma a
ocultar-te
de ti
transitório
o silêncio ocupando espaços
além da tua
boca
transitórias
as pedras amargas desaguando
sem licença
no litoral da aurora, transitória
a angústia
das palavras ensanguentadas em tuas mãos.
Obstinado
peregrino quem te acompanha além de ti?
Emissário de
rios esquecidos quem te ouve?
Oh, surdas
são as ondas deste mar
suspenso
entre os
teus dedos e o teu sonho
III
Mas quem és
sobre as horas caminhando?
Quem és
lançando fúrias no deserto?
Quem és
sobre a morte morrendo?
Sobre a
morte erguendo quem és?
IV
Pássaro de
penas rotas e cintilantes
libertando
na noite o tempo cativo
revolves as
horas os magros celeiros
fustigas
tremente o rosto dos meses
a cólera é
teu argumento
o porvir teu
fundamento.
À força de
viver
na vida
entraste
à força de
sonhar criaste o sonho
tu és a voz
do próprio sonho
lavrador
teimoso de um tempo sem pomar
(... ...)
Moldar os
dias dos frutos maduros
este é teu
projecto iniciado e longo
o barro da
razão que te forjou
a substância
pura que te ligou à vida
quando
aprendeste os segredos da noite
e penetraste
as trevas como espada fulgurante
Tuas mãos
tingem já de púrpura a noite
o crepúsculo
é o instante supremo a claridade
Quem fará
recuar o tempo anunciado
por tambores
e águas
noite a
noite sem cessar?