Amigos do Fingidor

terça-feira, 9 de julho de 2024

Cucaracha censurada

  Pedro Lucas Lindoso


Para se aprender uma língua estrangeira é necessário estudá-la diariamente.  E ter, no mínimo, três aulas por semana. Ou seja, 180 minutos de aulas. Pelo menos, durante dois anos.

Nas escolas públicas regulares, e mesmo nas privadas, a língua estrangeira aparece, na grade horária, geralmente, duas vezes por semana. Aulas de 50 minutos. 10 minutos para chamada e 10 para acalmar, no mínimo, 30 adolescentes cheio de hormônios e bagunceiros. Ou seja, temos meia hora de aula.

Com somente uma hora líquida por semana e sem estímulo para estudá-la não se aprende inglês, nem francês ou espanhol.

Na década de 1970, a Professora Nilce Galante, então coordenadora de Línguas Estrangeiras da Rede Pública de Brasília, montou o pioneiro Centro Interescolar de Línguas do Distrito Federal. A Professora Nilce teve todo e pleno apoio do então Secretário de Educação e Cultura de Brasília, Embaixador Wladimir Murtinho.

O projeto foi exitoso. Há centros de línguas públicos em todo o Distrito Federal. O DF é a unidade federativa onde há o maior índice de brasileiros bilíngues, segundo o IBGE.

Participei desse projeto como jovem professor de inglês. Ensinava-se também francês e espanhol. Toda sexta havia 15 minutos de música, geralmente sugeridas pelos alunos.

Cansados de boleros e tangos, uma turma de Espanhol ensaiava a conhecida canção “La Cucaracha” (“A barata”) . Trata-se de tradicional canção folclórica, do gênero corrido, bastante popular no México. O refrão é bem conhecido: “La cucaracha, la cucaracha / Ya no puede caminhar /  Porque no tiene, porque le falta / Una pata para andar”.

Nos anos de 1970 não havia internet. Portanto, não havia a expressão “viralizar”. Mas as coisas se espalhavam boca a boca, em festas, reuniões e encontros. Uma paródia inconveniente para a severa censura vigente e oficial modificava o recorrente refrão para: “La cucaracha, la cucaracha / Ya no puede caminhar / Porque no tiene, porque le falta / marijuana que fumar”.

Mesmo a direção e os professores de Espanhol explicando que só ensinavam e cantavam a versão original, com patas e patitas, a música foi proibida na escola. Não foi pelo STF. Foi pelo DPF. Departamento de Policia Federal.

Com a liberação de até 40 gramas de porte da cannabis, inclusive para cucarachas, seria a paródia censurada nos dias atuais? Naquela época, censurava-se até as patas da barata.