Pedro Lucas Lindoso
Confesso
que fui um menino medroso. Com o tempo perdi o medo de muitas coisas. Mas
adquiri outros. Quando garoto tinha medo de assombração. De alma penada. De
visagem, com diz o caboclo. Tinha muito medo de um tal bicho folharal. A coisa
aparecia à noite, pelos fundos do quintal da casa de minha avó. Na chácara, havia
muitas árvores frutíferas. Especialmente mangas. Gostava de ir para lá. Apesar
do bicho folharal. Eu também tinha medo de mucura. E de visagem, claro.
Irmãos
mais velhos costumam meter medo aos menores. Ruídos estranhos começaram a ser
ouvidos na nossa casa, da Rua Henrique Martins. Havia uma escada bem pitoresca
naquela casa. A escada dava para uma espécie de sótão que chamávamos
inadequadamente de porão. Sótão pode ser
sinônimo de porão. Mas parece que o inverso não se aplica. Coisas do rico
léxico de nossa língua portuguesa. O fato é que aquele porão ficava na parte de
cima. Por lá havia um quarto onde dormiam as empregadas. Havia ainda um
laboratório, suspeitíssimo, administrado por meu irmão mais velho. Eu não ia
até lá sozinho. Havia uma proibição implícita. E um medo explícito.
Principalmente depois que ouvi que os ruídos poderiam ser de alguém subindo as
escadas. A malsinada escada começava com degraus sólidos de alvenaria. Depois
se transformavam em estreitos degraus de madeira. E rangiam. Davam pequenos
estalidos, ou chiados, breves e intermitentes.
Os tais
ruídos, os tais estalidos, eram ouvidos na calada da noite. Quando todos
estavam dormindo. Acontecia quando o gerador de energia era desligado. Havia um
ensurdecedor gerador de energia em nossa casa. Manaus não tinha luz no início
dos anos de 1960. O gerador parava. Alívio por um lado. Medo por outro. Tudo
escuro. Lamparina apagada. E os ruídos. Passos na escada. Chiados. Breves e
intermitentes.
Meu pai
sempre foi aberto ao diálogo. Então resolvi levar o assunto a ele. Autoridade
máxima da casa. Ele delegava ou
compartilhava essa autoridade com minha mãe. Que estendia tal poder a minha avó
e à Darinha. Que tomavam conta da gente.
Resolvi
levar o assunto a todos eles. E desabafei:
– Vocês
me dizem sempre que visagem não existe. Que eu não preciso ter medo. Então
quero saber o que se passa na escada que dá para o porão.
Meu pai
se comprometeu solenemente a averiguar e tomar as medidas cabíveis e
necessárias.
Dito e
feito. Foram compradas meia dúzia de potentes ratoeiras na loja de ferragens JG
de Araújo. Todas alocadas estrategicamente nos degraus da tal escada. Armaram
arapucas e as visagens sumiram. Graças a Deus.