Angolares
Alda do Espírito Santo (1926-2010)
Canoa frágil, à beira da praia,
panos presos na cintura,
uma vela a flutuar…
Calema, mar em fora
canoa flutuando por sobre as procelas das águas,
lá vai o barquinho da fome.
Rostos duros de angolares
na luta com o gandu
por sobre a procela das ondas
remando, remando
no mar dos tubarões
p’la fome de cada dia.
Lá longe, na praia,
na orla dos coqueiros
quissandas em fila,
abrigando cubatas,
izaquente cozido
em panela de barro.
Hoje, amanhã e todos os dias
espreita a canoa andante
por sobre a procela das águas.
A canoa é vida
a praia é extensa
areal, areal sem fim.
Nas canoas amarradas
aos coqueiros da praia.
O mar é vida.
P’ra além as terras do cacau
nada dizem ao angolar
“Terras tem seu dono”.
E o angolar na faina do mar,
tem a orla da praia
as cubatas de quissandas,
as gibas pestilentas
mas não tem terras.
P’ra ele, a luta das ondas,
a luta com o gandu,
as canoas balouçando no mar
e a orla imensa da praia.
Notas:
Angolar: grupo étnico são-tomense. Segundo a
tradição portuguesa, sem confirmação científica, teria naufragado, em frente ao
extremo sul da Ilha de São Tomé, um barco transportando cativos (1550). Estes,
logrando alcançar a costa, teriam dado origem ao Povo Angolar. Admite-se,
todavia, que os angolares tenham alcançado a Ilha por seus próprios meios,
provenientes do continente africano;
Calema: ondulação forte do mar;
Gandu: tubarão;
Quissanda: tapumes feitos com folhas de
palmeira;
Izaquente: frutos cujas sementes são
caracterizadas por um alto poder energético.