Amigos do Fingidor

quinta-feira, 11 de julho de 2024

A poesia é necessária?


Angolares

Alda do Espírito Santo (1926-2010)

 

Canoa frágil, à beira da praia,

panos presos na cintura,

uma vela a flutuar…

Calema, mar em fora

canoa flutuando por sobre as procelas das águas,

lá vai o barquinho da fome.

Rostos duros de angolares

na luta com o gandu

por sobre a procela das ondas

remando, remando

no mar dos tubarões

p’la fome de cada dia.

Lá longe, na praia,

na orla dos coqueiros

quissandas em fila,

abrigando cubatas,

izaquente cozido

em panela de barro.

 

Hoje, amanhã e todos os dias

espreita a canoa andante

por sobre a procela das águas.

A canoa é vida

a praia é extensa

areal, areal sem fim.

Nas canoas amarradas

aos coqueiros da praia.

O mar é vida.

P’ra além as terras do cacau

nada dizem ao angolar

“Terras tem seu dono”.

 

E o angolar na faina do mar,

tem a orla da praia

as cubatas de quissandas,

as gibas pestilentas

mas não tem terras.

 

P’ra ele, a luta das ondas,

a luta com o gandu,

as canoas balouçando no mar

e a orla imensa da praia.

 

Notas:

Angolar: grupo étnico são-tomense. Segundo a tradição portuguesa, sem confirmação científica, teria naufragado, em frente ao extremo sul da Ilha de São Tomé, um barco transportando cativos (1550). Estes, logrando alcançar a costa, teriam dado origem ao Povo Angolar. Admite-se, todavia, que os angolares tenham alcançado a Ilha por seus próprios meios, provenientes do continente africano;

Calema: ondulação forte do mar;

Gandu: tubarão;

Quissanda: tapumes feitos com folhas de palmeira;

Izaquente: frutos cujas sementes são caracterizadas por um alto poder energético.