Amigos do Fingidor

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Indo e vindo

Marco Adolfs


Um dia desses, no qual não se faz muita força para existir, voltei a encontrar o poeta Bacellar, novamente sentado, quieto como um menino manhoso colocado em castigo, em uma daquelas cadeiras laterais que ficam bem perto da porta de entrada da Livraria Valer.

Estava lendo mais um livro emprestado pela vida para passar o seu tempo. Quieto e silencioso como uma abelha-macho pousada em uma flor. Para quem não conhece o Bacellar direito, o homem não passa de um bom velhinho, daqueles inofensivos. Mas, é só se aproximar um pouco mais do bardo e verás que por trás daquele aspecto pacato e aparentemente frágil, se esconde não uma abelha-macho pacificada por uma flor, mas um verdadeiro temporal amazônico, com todas as possibilidades de relâmpagos e trovoadas. E nem tente se oferecer para ajudá-lo a atravessar uma rua.

Me aproximei silenciosamente e sentei a seu lado. E comecei a provocá-lo. No bom sentido, é claro.

– E aí, Bacellar! Tudo bem?

– É... até prova em contrário, está tudo bem.

Lembrei então que mais um dia desses o homem ficou invocado comigo. Disse que eu estava fugindo dele.

Deixa eu explicar melhor: costumo encontrar o Bacellar, cruzando o meu caminho, nas vezes em que vou a uma livraria pesquisar. Ultimamente, sempre o encontro na Livraria Saraiva, do Manauara Shopping. É só eu me dirigir até lá, geralmente nas tardes de sábado ou domingo, e lá vem o Bacellar, se aproximando dos livros também.

Mas, nesse bendito dia, as coincidências do destino apresentaram-se tergiversas e em forma de duas escadas rolantes. Uma subindo, outra descendo. Eis que eu já havia pesquisados os meus livros da Livraria Saraiva e estava descendo a escada rolante para ir embora e o Bacellar estava subindo pela outra. Mesmo inseridos nessa situação, o Bacellar virou-se para mim e ainda disse:

– Estás fugindo de mim!?

Só tive tempo de gritar, enquanto descia.

– Não, Bacellar!... Eu estou indo, e você está vindo!...Estou indo, e você vindo! – repeti.

O homem já estava achando que, por eu estar descendo naquela escada rolante, distanciando-me dele progressivamente, eu já me encontrava em rota de fuga.

Foi cômico. Mas, voltando à Livraria Valer.

– Tu tens que deixar de ser tão rabugento – disse, esperando a reação.

O Bacellar foi rápido no gatilho.

– É melhor ser rabugento do que ter o rabo nojento!

Comecei a rir, imaginando a que tipo de rábulas ele se referia.

– Vou escrever uma crônica sobre isso – disse. – Posso escrever, citando o que me disseste? – perguntei, pedindo-lhe autorização.

– Pode.

Porém, apesar do mau humor momentâneo e da língua afiada como uma navalha de barbeiro, o poeta merece todas as nossas considerações. Li recentemente um artigo, escrito por um tal de Edigar de Alencar, intelectual cearense, no qual cita o poeta Luíz Bacellar, que ficara conhecendo “como um excelente poeta de Manaus”, por um comentário do emérito escritor cearense Braga Montenegro. Outro bardo radical em seus juízos, que em certos momentos se tornava também ácido e intransigente.

Fiquei então pensando que o mau humor de um poeta, talvez seja uma espécie de poesia ao inverso. Uma espécie absurda de consciência sobre os sentimentos hipócritas dos humanos que não entendem o que significa a palavra “respeito”, para um poeta...

...Dizem que as abelhas-macho só atacam quando provocadas. O fato é que ninguém pode esquecer isso. E que elas também são responsáveis pelo mel. Outro dado a ser, sempre, lembrado.

São fatos. Mesmo fazendo escuro, os poetas sempre encantam.

Mas, o gênio iracundo do poeta das metáforas luminosas é sempre como um temporal amazônico que, ao se formar no horizonte, desaba a qualquer momento.