Amigos do Fingidor

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Maranhão Sobrinho, o místico de Satã – 3/4

Zemaria Pinto



Na cançoneta “O Amor”, não relacionada como místico, de extração, aliás, claramente romântica, ele já escrevera: O amor é um límpido caminho / que vai direto dar no céu. Percebe-se que Maranhão Sobrinho trabalha o tempo inteiro, então, de caso pensado. A mulher idealizada é a Mãe, mas não a mãe mortal, sim a mãe suprema, o arquétipo da perfeição, da beleza e do amor femininos: Vives em mim num límpido desmaio, / santa nos beijos e nos olhos santa! (“Olhos de Amor”). Além dos já citados, o leitor poderá confirmar o que se diz nos sonetos “Caminho do Céu” e “Celeste”. Com exceção de “Soror Tereza”, todos esses poemas têm conotação propositadamente simbólica, embora a forma assuma por vezes ares arrebatadoramente parnasianos.

Embora não seja a intenção deste trabalho, quero abrir uma pista a futuros estudos sobre a obra de Maranhão Sobrinho, que optem pela vereda psicanalítica. Além dessa imensa Mãe citada, as figuras femininas que percorrem o livro são abstraídas do mesmo veio: “Sarah”, representando a expectativa da morte; “Vênus”, representando o amor; “Romana”, o cristianismo heróico dos primeiros tempos; e uma ou outra Sinhá romantiquinha, além de uma inusitada e bela “Fabíola”:

                    As labaredas púrpuras do Vício
                    queimam-te as formas brancas, crepitando
                    como as chamas cruéis de um Sacrifício!

Perpassadas sempre de sensual calor, todas essas mulheres representam a pureza fria que emana da Mãe. Fabíola, entretanto, é antagônica, é exceção à regra estabelecida. Fabíola, diminutivo de Fábia, derivada do latim faba: fava, leguminosa muito consumida na Roma dos primeiros cristãos. Mas o poeta não a toca, apenas a observa. Isolando-a, o que temos? A Mãe, a mãe suprema, o arquétipo feminino a repetir-se em todas as mulheres. Um caso típico de sublimação edipiana, especialmente se observarmos que a única figura masculina representativa, além de Satã, de quem nos ocuparemos adiante, é a do próprio eu-poeta. Seria essa presença feminina massacrante, em oposição à ausência masculina, uma identificação irrestrita com o sexo oposto?

É de se observar ainda a recorrência de signos relacionados com a busca da pureza: anjos, olhos, lírios, ninhos, passarinhos, noivos, além do mês de maio e seus noivados. Ainda nessa linha, há também um medievalismo edulcorado, como neste terceto de “Romântico”:

                    Desmaiam, cheias de ideais vertigens,
                    as almas virginais dos trovadores
                    sob o balcão das suspirosas virgens...

Esses signos, estejam entre os poemas francamente simbolistas ou entre aqueles de feitura romântica, antagonizam-se diretamente com a segunda linha mestra da poesia de Maranhão Sobrinho: o satanismo. Diretamente influenciado por Baudelaire e Cruz e Sousa, Maranhão Sobrinho constrói uma poética sombria, desvinculada daquela vaporosa influência mística que caracteriza boa parte de sua poesia. Mas é aqui, nestes poucos poemas, que o poeta se realiza em sua plenitude. Pena que em seus outros livros ele não tenha voltado ao tema. Estatuetas (1909), pelos poucos poemas reproduzidos em antologias, e pelo que se abstrai de seu próprio título, seria um livro parnasiano. Vitórias-régias (1911), por outro lado, que eu tenho em mãos graças à generosidade da professora Ivete Ibiapina, que sempre me abre sua biblioteca de raridades, é um livro frouxo, desavergonhadamente romântico. Daí entenda, meu caro leitor, a comparação com Fausto lá na introdução a este trabalho. Poemas de juventude, Papéis velhos guardam rebeldia e ousadia marcantes, que seriam sufocadas pela ira e pelo desprezo da província, cujo bom gosto se guia, por absoluta falta de senso crítico, pelas referências consagradas e convenientes, nunca pelas inovações.