Amigos do Fingidor

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

As baladas do poeta Barros Pinho

Jorge Tufic



Modesto, arredio, fechado. Teria sido esta a impressão que me deram os primeiros contatos com o poeta e ficcionista Barros Pinho, cuja obra nos transmite um ponteio harmonioso entre o lírico de Carta do pássaro e os contos de A viúva do vestido encarnado, para citar apenas uma de suas narrativas. Daí a fortuna crítica inserta neste Poemas para orvalhar o outono, dando-nos, assim, uma visão bastante clara de seu empenho em renovar a linguagem, quer seja neste como naquele gênero. São dois painéis, aliás, que nos deslumbram no citado volume, dividido em duas partes: a inicial, com apresentação de Linhares Filho e prefácio de Ubiratan Aguiar, que dão as boas vindas aos 70 anos do autor e aos setenta poemas selecionados de oito livros de sua autoria; a segunda parte é assinada pelos mais notáveis das letras cearenses, dentre estes Pedro Paulo Montenegro, Antonio Carlos Vilaça (da Academia Brasileira de Letras), José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, Adriano Espínola, F. S. Nascimento, Pedro Lyra, Sânzio de Azevedo, Caio Porfírio Carneiro, Artur Eduardo Benevides, Antonio Girão Barroso, entre muitos outros.

Recém chegado de uma viagem a Parnaíba, releio estes poemas de Barros Pinho, e logo me surpreendo ao constatar, neles, ecos e lembranças históricas de sua infância, onde ruínas e arquiteturas de um ciclo econômico perdido no tempo, se encantam nas metáforas do Natal, nas imagens do rio, no circo e nas famosas carnaubeiras, cujo óleo ainda rescende nos velhos armazéns abandonados, também construídos com enormes pedras coladas com óleo de baleia. Vêm-nos à idéia que alguns de seus poemas recriam essa atmosfera, ou essa arquitetura parece doer nas paredes, como em “Natal do castelo azul.

A medula de sua poética acomoda-se, por assim dizer, numa direta ou indireta alusão a esses umbigos da terra. Raízes, iluminações do sagrado às voltas com o profano, singularizam os textos de Barros Pinho, consoante define Linhares Filho, ao destacar sua “tríplice vertente”, fenômeno tecnicamente avaliado segundo as três categorias de Ezra Pound, como quer, ainda, o mestre referido. No meu achar, contudo, o autor desta seleta de poemas transcendentaliza-se, e fica mais à vontade, quando sua temática rastreia os caminhos de pasto e solidão, seu rio Parnaíba, o alforje dos antepassados, a terra úmida, os pássaros cativos do azul, sortilégios, encantamentos. Enfim, os chãos da memória, o arco-íris aromático das imagens terrenas, agora transfiguradas em neblina.

Baladas, sim, porque ficam sendo, quase todos os poemas recolhidos na coletânea sob o título de Poemas para orvalhar o outono, uma forma poética bastante “antiga”, já que, bem ao fundo de cada um deles, nós chegamos a “ouvir” a música de instrumentos invisíveis, bem próximos, ou quase, de tocarem a pele das palavras. Baladas livres, com metros relativos ou metros vários, se aderem, aqui, ao modernismo que vem de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, aliando-se, porém, ao “fantástico” e ao coloquial, principais características de seu destino, quer ontem, quer hoje.

Fica difícil, agora que Barros Pinho reúne o melhor de seu canto, e uma fortuna crítica abrangente, acrescentar algo mais ao fascínio deste seu leitor e amigo. Direi, no entanto, que logo ao chegar em Fortaleza, há dezenove anos, já me tornara um de seus frequentes admiradores, com laços mais fortes de amizade no Clube do Bode, ao lado de outros poetas e companheiros, de Audifax Rios e Sérgio Braga. Estamos, hoje, sob a égide da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Em várias outras circunstâncias, tivemos encontros em lugares diferentes do bar e das festas de sábado, como o Hospital do Câncer e a Secretaria Municipal de Cultura, a que ele dera o melhor de si, atendendo a todos sem abdicar da ética, tampouco do senso estético.

Assim, portanto, o cavalheiro sisudo que eu deparei ao iniciar esta resenha, há muito que eu deixei, quem sabe, onde havia um outro em seu lugar. Isto é ficção. Poesia é sempre.