Amigos do Fingidor

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Os trezentos anos da morte do padre Antônio Vieira

Zemaria Pinto

  

Conselheiro de reis, confessor de rainhas, preceptor de príncipes, embaixador junto às potências europeias, a autoridade temporal do jesuíta Antônio Vieira era tão grande quanto sua autoridade espiritual de defensor de judeus, índios, negros e também dos brancos pobres, a quem via como sementes do mesmo fruto, filhos do mesmo Deus.

Deus que ele negaceou ao invectivar em um de seus sermões mais contundentes:

– Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e a liberdade que tem quem não pede favor senão justiça.

Vieira nasce em Lisboa em 1608, mas logo aos seis anos vem com sua família para Salvador, na Bahia, onde estuda no Colégio dos Jesuítas, fazendo depois o noviciado na Companhia de Jesus. Só aos 33 anos retorna para a corte, onde chama a atenção pelos sermões inflamados e o sotaque da colônia.

Não demoraria muito para que à simpatia da família imperial se somasse o ódio da Inquisição. Como castigo, é mandado de volta para o Brasil. No Maranhão e na província do Grão-Pará, que se dividiria depois em Pará e Amazonas, Vieira produz sermões que sensibilizariam posteriormente a corte, em páginas ainda hoje, infelizmente, atualíssimas:

– Ah!, fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torceram, haviam de lançar sangue!

De volta a Portugal, o Santo Ofício cassa-lhe a palavra, como fez há pouco tempo com Leonardo Boff, e recolhe-o à prisão, por dois anos.

Os anos seguintes à libertação foram vividos entre Lisboa e Roma, onde, apesar da Inquisição, seu prestígio continuava inabalado, até o retorno definitivo a sua Bahia, aos 73 anos.

Mas nem pensar em parar: até o fim de sua vida, aos 89 anos, Padre Antônio Vieira escreveu freneticamente. E além de sermões e cartas, deixou várias obras onde profetizava o Portugal do futuro: o Quinto Império. No item profecias, entretanto, Vieira foi infeliz. Sorte nossa.

O barroco no Brasil só encontra verdadeira expressão nos poemas de Gregório de Matos e nos sermões de Vieira. Forçoso é pois traçar um paralelo entre eles, contemporâneos e amigos. Se Gregório fazia a crônica das mazelas da Bahia, Vieira filosofava e moralizava. Se Gregório escarnecia, Vieira ironizava. Se Gregório tinha uma visão negativa do mundo, Vieira antevia o paraíso humano no futuro. Se a poesia religiosa de Gregório era contrita e penitente, a prosa de Vieira jamais se curvava. Ambos libertários em seus limites históricos, Gregório espiava o mundo pela fresta, enquanto Vieira encarava o mundo de frente, ou, como alguém já escreveu, de cima!

Neste 18 de julho, faz 300 anos da morte de Antônio Vieira, a quem o poeta Fernando Pessoa proclamou Imperador da Língua Portuguesa, e que em vida mereceu ser chamado de apóstolo, e a quem, ainda hoje, não poucos consideram um  gênio.

A militância incansável de Antônio Vieira era explicada por ele mesmo em palavras singelas:

– A verdadeira fidalguia é a ação. O que fazeis, isso sois, nada mais.

Obs: publicado em julho de 1997, no Amazonas em tempo.

Antônio Vieira, no traço de Portinari.