João Bosco Botelho
A repressão da Igreja para manter e
reproduzir como dogmas as ideias de Hipócrates (sec. 4 a.C.) e Galeno (sec. 1),
criou um tipo de insanidade cultural, respeitando-se as devidas proporções, semelhante
ao ocorrido com alguns leitores apaixonados de Marx e Engels, no leste da
Europa, e entre alguns intelectuais da esquerda latino‑americana, entre os anos
1960 e 1970. A paixão dos marxismos pós‑Marx, fruto da leitura das orelhas dos
livros de ciência política, ao enveredar pela mesma trilha dogmática, contribuiu
para agravar a crise de subjetividade que acelerou a derrubada do Muro de
Berlim.
As primeiras publicações para repensar as
teorias greco-romanas ocorreram vinte séculos depois dos estudos hipocráticos, na
ilha de Cós, na Grécia. O estudo da micrologia de Marcelo Malpighi (1628‑1694)
iniciou o deslocamento da função dos humores hipocrático‑galênicos para o
interior da célula, trazendo forma e função para o nível celular. Novas
perspectivas foram abertas pelo descortinar da microestrutura celular.
Pouco mais de duzentos anos se passaram a
partir da obra de Malpighi, para que as linguagens alcançassem a estrutura
molecular do genoma, no núcleo da célula. As pioneiras publicações do frade
dominicano Gregor Mendel (1822‑1884), demonstrando a importância das
características herdadas no cruzamento de espécies diferentes de ervilhas, foram
aplicadas na nova busca da origem da saúde e da doença: as moléculas do ADN.
Hoje, a crítica do observável mostra os
grandes limites das três teorias: humoral, celular e molecular. São frágeis e
inconsistentes para explicar as dúvidas que persistem tanto no pensamento
lógico quanto no ficcional expresso nas linguagens.
Na distonia entre o visível e o lido nos compêndios
está o polo central das contradições das linguagens que não conseguem expressar
com careza as diferenças entre o visível e o invisível. A fraqueza do saber, avolumando
as dúvidas nas dimensões extremas da matéria, oferece o suporte para a busca de
novas propostas, como a teoria das memórias sócio‑genéticas.
Os anseios dos homens e das mulheres, presentes
na memória sócio‑genética coletiva, para, sempre, o prazer e fugir da dor. As
linguagens se ajustam nessa estrutura ontogenética com força suficiente para
reprimir, tenazmente, as ideias que se mostram desarmônicas com esse anelo.
A História recente evidencia, com
transparência, um desses momentos marcantes da resistência: o desmoronamento da
ordem comunista no Leste da Europa. Aqueles povos demonstraram que a
insatisfação com os limites das linguagens.
As
respostas coletivas que derrubaram como castelos de cartas as ditaduras
socialistas, no leste da Europa, reafirmaram que as linguagens buscam o
conforto além, muito além, da fome contida. É mais um indício da extraordinária
ordem na qual se processa o pensamento coletivo, quando se trata da
sobrevivência comum.
A dor ou a ameaça dolorosa, física ou
ficcional, ditam as ordens mentais da sobrevivência. Qualquer variável
circunstancial, capaz de ser entendida pelo ser como sensação dolorosa, produz
resposta neurológica imediata, para buscar, na intimidade da memória acumulada,
todos os mecanismos cerebrais para impedir ou atenuar o desconforto. As
linguagens construídas e processadas no cérebro transmitidas com a reprodução
sexuada permanecem dependentes das experiências vividas no conjunto social. É
como nascem e se reproduzem os saberes.