Amigos do Fingidor

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Linguagens intercomunicando saberes



João Bosco Botelho
         
A repressão da Igreja para manter e reproduzir como dogmas as ideias de Hipócrates (sec. 4 a.C.) e Galeno (sec. 1), criou um tipo de insanidade cultural, respeitando-se as devidas proporções, semelhante ao ocorrido com alguns leitores apaixonados de Marx e Engels, no leste da Europa, e entre alguns intelectuais da esquerda latino‑americana, entre os anos 1960 e 1970. A paixão dos marxismos pós‑Marx, fruto da leitura das orelhas dos livros de ciência política, ao enveredar pela mesma trilha dogmática, contribuiu para agravar a crise de subjetividade que acelerou a derrubada do Muro de Berlim.
As primeiras publicações para repensar as teorias greco-romanas ocorreram vinte séculos depois dos estudos hipocráticos, na ilha de Cós, na Grécia. O estudo da micrologia de Marcelo Malpighi (1628‑1694) iniciou o deslocamento da função dos humores hipocrático‑galênicos para o interior da célula, trazendo forma e função para o nível celular. Novas perspectivas foram abertas pelo descortinar da microestrutura celular.
Pouco mais de duzentos anos se passaram a partir da obra de Malpighi, para que as linguagens alcançassem a estrutura molecular do genoma, no núcleo da célula. As pioneiras publicações do frade dominicano Gregor Mendel (1822‑1884), demonstrando a importância das características herdadas no cruzamento de espécies diferentes de ervilhas, foram aplicadas na nova busca da origem da saúde e da doença: as moléculas do ADN.
Hoje, a crítica do observável mostra os grandes limites das três teorias: humoral, celular e molecular. São frágeis e inconsistentes para explicar as dúvidas que persistem tanto no pensamento lógico quanto no ficcional expresso nas linguagens.
Na distonia entre o visível e o lido nos compêndios está o polo central das contradições das linguagens que não conseguem expressar com careza as diferenças entre o visível e o invisível. A fraqueza do saber, avolumando as dúvidas nas dimensões extremas da matéria, oferece o suporte para a busca de novas propostas, como a teoria das memórias sócio‑genéticas.
Os anseios dos homens e das mulheres, presentes na memória sócio‑genética coletiva, para, sempre, o prazer e fugir da dor. As linguagens se ajustam nessa estrutura ontogenética com força suficiente para reprimir, tenazmente, as ideias que se mostram desarmônicas com esse anelo.
A História recente evidencia, com transparência, um desses momentos marcantes da resistência: o desmoronamento da ordem comunista no Leste da Europa. Aqueles povos demonstraram que a insatisfação com os limites das linguagens.
 As respostas coletivas que derrubaram como castelos de cartas as ditaduras socialistas, no leste da Europa, reafirmaram que as linguagens buscam o conforto além, muito além, da fome contida. É mais um indício da extraordinária ordem na qual se processa o pensamento coletivo, quando se trata da sobrevivência comum.

A dor ou a ameaça dolorosa, física ou ficcional, ditam as ordens mentais da sobrevivência. Qualquer variável circunstancial, capaz de ser entendida pelo ser como sensação dolorosa, produz resposta neurológica imediata, para buscar, na intimidade da memória acumulada, todos os mecanismos cerebrais para impedir ou atenuar o desconforto. As linguagens construídas e processadas no cérebro transmitidas com a reprodução sexuada permanecem dependentes das experiências vividas no conjunto social. É como nascem e se reproduzem os saberes.