Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Adrino Aragão: a grandeza do minimalismo na literatura 1/3


Zemaria Pinto[1]


Fui incumbido de nesta manhã falar do mais novo livro de Adrino Aragão: Caderno do escritor. E também sobre o mais novo – e talvez o mais completo – estudo realizado sobre a obra deste autor: O conto à meia-luz, resultado de um estudo intitulado Marcas ficcionais no discurso mimético e minimalista de Adrino Aragão, do escritor e professor Joaquim Branco, mineiro de Cataguases, que o apresentou em 2010 no curso de Pós-Doutorado da Faculdade de Letras da UFRJ[2].

Agradeço, caro Adrino, a confiança em mim depositada.


Um pouco de teoria

Antes de falar dos livros, entretanto, discorrerei sobre este gênero literário muitas vezes incompreendido: o conto[3].

Definir o conto sempre foi questão controversa, desde que o Romantismo o consagrou como forma, embora sua gênese se estenda às narrativas mitológicas, na madrugada dos tempos. Para ficarmos num exemplo bem próximo, na apresentação de Papéis avulsos (1882), Machado de Assis escreveu: “Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil.” Eram narrativas curtas, contos típicos, com exceção de um, que se dividia em 13 capítulos: O alienista. Sem dúvida, as desventuras de Simão Bacamarte foram responsáveis por aquelas palavras de hesitação do mestre.

Uma frase de Mário de Andrade, no esquecido livro O empalhador de passarinhos (1944), tem sido usada à toa, para justificar equívocos: “Em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto.”[4] Bobagem. O conto pode sim ser definido, desde que nos permitamos alguma abstração.

A palavra “conto” tem origem no vocábulo latino computus – cálculo, cômputo –, derivado do verbo computare, que, com o passar do tempo, adquiriu o sentido de “enumerar detalhes”, “contar detalhes”, evoluindo, a partir do século XVI, para o significado que hoje utilizamos: relatar, narrar. Mas o conto enquanto gênero é muito anterior, escondido em inúmeros nomes-disfarces: mito, lenda, fábula, caso, apólogo, parábola...

Apropriadamente chamado em inglês de short story, ou história curta, podemos definir o conto de forma muito simples, pois é a estrutura da imensa maioria das narrativas assim classificadas: o conto tem uma história bem definida, poucos personagens, tempo e ação muito concentrados, passados num só ambiente. Isso nos remete à tríplice unidade pretendida por Aristóteles: que a história narrada tenha uma ação bem definida, um só episódio, com poucas personagens; passe-se num tempo curto, fácil de mensurar; e que se passe num só ambiente ou lugar.

Algumas palavras precisam ser ditas sobre a linguagem do conto – e aqui estamos pensando nos contos desenvolvidos a partir do movimento romântico, no século XIX: narrativa concisa; ausência de digressões; economia de descrições; uso do diálogo, visando objetivar a narrativa. E ponto de vista único – narrativa em primeira pessoa ou por narrador onisciente ou observador.

Mais recentemente, uma nova modalidade de conto surgiu, a partir do conceito de minimalismo – redução ao mínimo dos recursos utilizados –, empregado mais usualmente nas artes plásticas e na música. Chamado de miniconto, microconto ou nanoconto, condensa de tal forma a expressão, que pode ser enunciado numa única frase. Esse radicalismo é uma alegoria do próprio desenvolvimento do conto ao longo dos séculos, em busca da síntese absoluta – ou da batida perfeita.

No meu blog Palavra do Fingidor publiquei dois livros de nanocontos integralmente: o meu Drops de pimenta e Conto, não-conto & outras inquietações, de Adrino Aragão, além de experiências de Allison Leão, com quem escrevi uma teoria do nanoconto, da qual vou poupá-los, por ser um tanto extensa. Relembro aqui apenas seu desfecho, citando Cortázar:

O romance ganha por pontos; o conto, por nocaute; o nanoconto é um tiro de bala dundum na mente do leitor incauto[5].




[1] Apresentação realizada na manhã de 23 de março de 2013, no Salão do Pensamento Amazônico, na Academia Amazonense de Letras. Publicado no n° 33 da Revista da AAL, em dezembro do mesmo ano.
[2] Apresentação dos livros Caderno do Escritor (Cataguases: Jaraqui, 2012) e O conto à meia luz (Cataguases: FUNCEC, 2010), feita na Academia Amazonense de Letras, na manhã do dia 23/03/2013.
[3] Utilizei trechos do meu livro O conto no Amazonas (Manaus: Valer, 2011. p. 7-13).
[4] Citado por Ênio Tavares, em Teoria Literária: 11ª ed., Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vila Rica Editoras Reunidas, 1996.