Amigos do Fingidor

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Meio ambiente e linguagem



Zemaria Pinto

Começo fazendo uma crítica ao título do evento: Workshop ecológico. A utilização de palavras alienígenas é inevitável na formação de qualquer idioma, em qualquer tempo. Elas geralmente são adotadas quando não há uma palavra correspondente. A língua portuguesa é cheia de palavras “importadas”, cuja origem nem nos lembramos mais, a não ser quando compulsamos os manuais especializados. Mas não essa “workshop”, substituindo a belaoficina”, que, aliás, é uma palavra pura, castiça, vinda diretamente do latim. E que qualquer criança sabe o que significa. 
Como a literatura pode contribuir, de forma densa e profunda, na formação de uma consciência ecológica? A linguagem, acho que foi Heidegger quem disse, é a casa do Ser. Todo ser, ou coisa, existe de fato se nomeado. Dar nomes, essa função primordial, é uma função da linguagem. Isso está em todas as literaturas primitivas. Dar nomes é um atributo divino, por isso, a linguagem é a morada do Ser, da vida.
A poesia, por outro lado, é a primeira manifestação artística da linguagem. É o momento em que os nomes extrapolam o dicionário e funcionam de forma conotativa, isto é, passam a representar o que não são, tomam vida nova, se expandem, se multiplicam em significados. Ensinar poesia a crianças é ensiná-las a amar a linguagem, a casa da vida.
O haicai é um tipo de poema desenvolvido no Japão, desde o século XII, mas que encontrou verdadeiro reconhecimento literário no século XVII, quando viveu o maior de todos os haijins, Matsuo Bashô. Compõe-se de três versos e, à parte a técnica, dedica-se à observação da natureza. Ensinar haicais a crianças e adolescentes (sem excluir os adultos, é claro) pode ser uma forma de fazê-los vivenciar a consciência ecológica, na observação da natureza e no amadurecimento deles mesmos enquanto seres humanos.
O haicai não tem nada a ver com seitas, religiões, ou sistemas de pensamento. O haicai não é zen, não é budista, mas é, com certeza, uma forma de ver o mundo e de se posicionar nele. A sua técnica, muito simples, ensina-nos, também, a organizar nossa linguagem. O haicai trabalha com o transitório, com o sensorial, é observação transformada em poesia.
São três versos espreitando a natureza, sem interferir nela. Os mestres do haicai ortodoxo dividem-no por kigos, que são as estações do ano, e, dentro destas, classificam-no por Tempo, Fenômenos Atmosféricos, Geografia, Fauna, Flora e Datas Festivas ou Vivenciais. Você pode, então, me perguntar: onde está o homem, senhor poeta, defensor da humana ecologia? O homem? Está colhendo, está plantando. Ou está fazendo poesia. Porque, ao contrário do que falsamente se propala, o haicai não é alienado. Mas também não se presta a filosofices. É a forma ideal, eu acredito, de ensinar poesia, e, de quebra, ecologia.


Comunicação apresentada em um “Workshop ecológico”, no CAUA, em outubro de 1977.