Amigos do Fingidor

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Ecologia humana?



Zemaria Pinto

um paradoxo comum nas discussões a respeito do equilíbrio ecológico: quando se privilegia a discussão das influências negativas sobre o meio ambiente, o Homem, motivação principal da discussão, acaba sempre relegado a segundo plano. É claro que um planeta saudável favorecerá a vida humana. A discussão que eu proponho, entretanto, caminha em outra direção que a da relação homem x natureza: é preciso discutir a relação homem x homem.
um evidente desequilíbrio no “meio ambiente pessoal” do homem moderno. Se olharmos ao nosso redor, veremos uma situação caótica no nosso dia-a-dia, decorrente da deficiência no atendimento às nossas necessidades mais elementares: saúde, educação, justiça, água, energia elétrica... E o que falar do caos no trânsito? E da violência gratuita, que se pratica como diversão? E da corrupção generalizada? E da absoluta falta de confiança em nossos representantes políticos, o que ameaça, mesmo, o próprio sistema político?
Você parou para contar quantas horas tem de verdadeiro lazer por dia? A competitividade exacerbada criou um mutante, o trabalhador compulsivo, chamado pelos pedantes de workaholic, que tem no trabalho seu maior divertimento. Falsa ilusão. O compulsivo administra mal sua libido: é um estressado, um infeliz, e sério candidato ao infarto.
É preciso repensar a própria trajetória humana. Os valores mais caros da humanidade parecem relegados a um plano inferior. Justiça social? Oportunidade igual para todos? A globalização da economia impõe um paradoxo terrível ao homem que a vive, na medida em que a lei mais elementar da economia pressupõe o equilíbrio entre a oferta de bens, por um lado, e a capacidade de adquirir esses bens, por outro. O avanço da tecnologia aumenta o desemprego, diminui salários e, consequentemente, desequilibra a relação econômica. Posicionarmo-nos contra a tecnologia, entretanto, seria não apenas temerário como também infantil e ridículo. A evolução da espécie tem passado obrigatoriamente pela evolução tecnológica, desde a pedra lascada.
Soluções? Talvez um caminho seja melhorar o nosso humor e, parafraseando Sartre, incutir em nossas mentes que o “ecologismo é um humanismo”. Nenhum sistema filosófico e nenhuma religião pressupõem o aniquilamento do homem, mas é a isso que assistimos diariamente: o homem é uma espécie em extinção. A consciência ecológica deve passar obrigatoriamente pela discussão da desumanização do homem. E não adianta argumentar que vivemos uma fase de transição: o homem e as relações humanas estão em permanente mutação, de forma irreversível. Temos que aprender a conviver com o acelerado avanço tecnológico, na medida em que este facilita nossas vidas e aumenta nosso conforto, melhorando nossa qualidade de vida, mas temos que nos insurgir com veemência contra o caos – o caos urbano, o caos do campo, o caos que não nos dá nenhuma garantia de que amanhã ainda estaremos vivos.

Comunicação apresentada em um “Workshop ecológico”, no CAUA, em outubro de 1977.