Amigos do Fingidor

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Miniconto, microconto, nanoconto, contos são? 1/7



Zemaria Pinto*


INTRODUÇÃO
A definição mais simplória de conto é “narrativa de curta extensão”. Não há métrica, entretanto, para calcular essa dimensão espacial e classificá-la como mais ou menos curta. Os clássicos – e aqui estou com a cabeça no século XIX – escreviam contos de 40, 50, 60 páginas. Machado de Assis, confundindo gênero com forma, escreveu na “Advertência” a Papéis Avulsos, livro que abre com “O alienista”, que “quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil”.  Ironizando, Mário de Andrade achou de escrever que conto era tudo aquilo que ele, autor, chamasse de conto: tem gente bo(b)a que o leva a sério ainda hoje (PINTO, 2011a, p. 7-9).
O conto clássico confunde-se muitas vezes com a novela, que tem pelo menos duas acepções contraditórias, o que acaba enrolando o romance no quiproquó. Mas uma definição simples e universalmente aceita é: fábula bem definida, poucos personagens, tempo e ação muito concentrados, passados num só ambiente (PINTO, 2011b, p. 82-83). 
O nosso escopo de trabalho é definir o que é, afinal, miniconto, microconto e nanoconto, nomenclaturas que andam soltas por aí, sem o necessário lastro teórico. Necessário para quem? Para o leitor é que não. Este não precisa de teorias, precisa, sim, de obras que o agradem. E pela repercussão, e por alguma idiossincrasia que ainda não identificamos, os contos minis, micros e nanos têm sido bastante apreciados. Há séculos.

1. INTENSÃO, TENSÃO, INTENSIDADE
Os minis, micros e nanocontos são identificados ordinariamente pela sua, digamos, curtíssima extensão, mas, como não temos o instrumental para medir com precisão o tamanho ou a área de cada um, deixemos de lado o problema da extensão. Mas não nos esqueçamos de que o miniconto, o microconto e o nanoconto podem variar entre uma página em branco e um texto pouco maior que isto – a página em branco. E aqui nos deparamos com o nosso conceito-chave: intensão – força, vigor, veemência, energia, aumento de tensão, tensionamento; numa palavra: intensidade. No embate extensão X intensão, portanto, nossa torcida está com esta.
Desçamos um pouco mais nessa gruta escura. Aos poucos, nossos olhos se acostumarão com a pouca luz. Intensão é o ato de intensar, tornar algo mais intenso, senti-lo em toda a sua força e vigor. A intensidade vem a ser a qualidade do que é intenso. Ainda que não saibamos o que temos pela frente, a intensidade será a sua medida. A intensão é também, por metonímia, o aumento de tensão – estado do que é ou está tenso. Invertendo as variáveis da equação, podemos afirmar que tenso é todo corpo sob tensão, e que esta varia de acordo com a intensidade dirigida ao corpo sob observação. Sintetizando: tensão é uma força que age sobre um corpo, por unidade de área – de parte do corpo ao todo dele –, provocando-lhe alterações. Por exemplo: um soco na cara. O sujeito 1 usa a força do seu punho (que, na verdade é parte de um sistema: o seu corpo), para, com intensidade, atingir o sujeito 2, deformando-o na área atingida.


A intensão é a carga de tensão – medida pela intensidade – que o sujeito 1 usou para atingir o rosto do sujeito 2. Tomando emprestado um conceito elementar da física, quanto maior a intensidade maior o fluxo de energia na área de abrangência. E para concluir nossa incursão pela metáfora da porrada, nunca é demais lembrar Cortázar, referindo-se ao conto moderno, para quem o romance ganha por pontos; o conto por nocaute. Valia para o boxe, vale para o MMA, acrescentando-se ao nocaute a finalização, de preferência com um mata-leão.
Voltando ao nosso objeto de estudo, temos a extensão do conto como a área a ser atingida. Portanto, quanto menor a extensão, mais fácil será obter a intensidade para o conto ter, verdadeiramente, intensão. Ou, de maneira inversa, quanto maior a extensão, maior deve ser o tensionamento, o esforço, para o conto ser considerado intenso. Em um caso e outro, tensão é a palavra de toque. (**)

(*) Comunicação apresentada no Simpósio Nacional do GEPELIP, realizado na UFAM, na tarde de 05 de junho de 2014. Publicado na revista Valer Cultural no. 12, de ago/set 2014, p. 82-89.
(**) Este texto será publicado em sete partes, sempre nas noites de quinta-feira.