João Bosco Botelho
É possível que as complexas
relações abstratas que envolveram deuses e deusas curadoras nas curas de
doenças e infortúnios estivessem presentes antes da linguagem escrita.
Após o sedentarismo, as
primeiras linguagens-culturas, como a do Egito antigo, ampliaram essas ideias
mantendo vivo ao longo de três mil anos o panteão de deusas e deuses curadores.
Os nomes das divindades variaram nos períodos dinásticos, todavia as concepções
teóricas da vida e da morte, da saúde e da doença, giravam em torno das
teogonias e teofanias, provavelmente, oriundas de ideias e crenças religiosas
dos tempos ágrafos.
As máscaras mortuárias, como
a de Tutancâmon, de beleza artesanal incomparável, com o objetivo de conservar
a fisionomia após a morte, relacionada com a crença no renascimento, reproduziu
prática corrente em muitas culturas, em especial, na história do povo egípcio.
Os deuses e deusas eram,
essencialmente, curadores e protetores contra o mal. Como intermediários do
poder divino, os sacerdotes representavam o panteão e a eles cabia a arte de
curar e adivinhar. Por essa razão, eram reverenciados e temidos.
Entre os principais deuses e
deusas, destacaram-se:
– Thoth, um dos mais antigos
do panteão, curou Horus da picada do escorpião e as feridas causadas pela luta
entre Horus e Set;
– Imnhotep, filho de Ptah,
representado por incontáveis estatuetas de bronze, achadas nas escavações
arqueológicas de vários períodos políticos do Egito antigo;
– Isis, a curadora de Ra,
possuía o poder de ressuscitar os mortos;
– Sechmet, a protetora das
doenças das mulheres;
– Zoser, rei da terceira
dinastia, utilizava nas correspondências a designação Sa ou aquele que cura, e,
nas inscrições do templo, o título de médico divino.
Além dos deuses e deusas, os
egípcios acreditavam que objetos tornados sagrados, tinham o poder de
influenciar a vida e a morte, a doença e a saúde:
– Sol alado: símbolo da
cosmogênese, situava-se no umbral dos pórticos dos templos, câmaras e palácios
alertando a todos sobre o extraordinário significado da luz solar;
– Kepher ou Akhpner ou
escaravelho sagrado: símbolo máximo dos ritos de iniciação, traduzindo a
regeneração e paternidade do mundo e dos homens, a renovação da vida e a vida
após a morte. Por essas razões, usado como amuletos. Até hoje, em pequenas
regiões do sul do Egito e Sudão oriental, o inseto é secado ao sol, triturado,
misturado com água e bebido pelas mulheres como tônico infalível para gerar uma
grande família;
– Uaret: a serpente naja
simbolizando o conhecimento e proteção, adornava o alto da coroa faraônica;
As práticas médicas atadas
aos deuses e deusas curadores desfrutavam de lugar especial na sociedade
egípcia antiga. Dessa forma, não é possível estabelecer, para todos os
períodos, um único entendimento, contudo, a partir das fontes médicas,
notadamente, nas da XVIII dinastia, isto é, entre 1.400 e 1.800 anos a. C.,
dominou a ideia de o homem (ser vivente) ser compreendido dividido em três
partes: corpo, espírito (representado na forma de pássaro, associado à
possibilidade de se descolar após a morte para visitar a múmia) e Ka (parte
imutável, com personalidade própria que reside no homem, presença permanente
durante a vida e após a morte).
Assim, sob essa relação,
onde a vida e a morte estavam em ordenamento próximo, como etapas sucessivas, a
Medicina era entendida como responsável pelos corpos saudáveis, empurrando
temporariamente a morte inevitável.