Amigos do Fingidor

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Lábios que beijei 60


Zemaria Pinto

Teresa


Um psicólogo de botequim diria que temos o direito de errar na escolha da primeira mulher, mas da segunda, não. Eu abusei do direito de errar. A paixão por Teresa veio aos poucos. Nos conhecemos em um evento onde atuávamos como voluntários. Muitos eventos aconteceram, antes que tivéssemos algo. A simpatia mútua fora imediata, mas Teresa, estranhamente nervosa, fugia às minhas abordagens mais diretas, até que num sábado ela aceitou uma carona que se estendeu para um chope. Quis saber tudo de mim e quase nada contou de si. Não escondi muito: fora casado por 9 anos, tinha um casal de filhos adolescendo e estava disponível há tempos. Omiti os casos mais ou menos em andamento. Teresa fazia a faculdade de Serviço Social, o que explicava o voluntariado, que no meu caso era uma catarse, uma maneira de expiar pequenas culpas cristãs. Mas isso eu não lhe disse. Namoramos por dois meses e fomos morar juntos, registrando em cartório – uma vez que, desquitado, eu não poderia casar – uma situação que só se tornaria lei muito tempo depois: a relação estável. O namoro fora um período de êxtase: eu, já vislumbrando os quarenta no horizonte, apaixonado como um colegial. Ela, pouco mais que uma colegial. Naquelas alturas, já me submetera à vasectomia, pois não tinha a intenção de colocar mais ninguém neste vale de lágrimas – expressão que eu ouvia muito na minha piedosa mas incasta adolescência. Logo nos primeiros meses juntos, começou a nossa via crucis. Teresa controlava meus horários, mexia nos meus bolsos, gavetas, pastas, com um despudor obsessivo, esvaziando-me de boas intenções e sentimentos. Naturalmente, eu comecei a voltar ao velho estilo, fazendo por merecer suas desconfianças e acusações. O ápice foi uma cena entre o ridículo, o cômico e o piegas: Teresa tomou um frasco de qualquer coisa, indo parar no pronto-socorro, de onde saiu não mais que duas horas depois, após um vomitório e uma lavagem, culpando-me pelo acontecido. Meu particular inferno – o inferno são os outros! – durou ainda alguns meses, o tempo que Teresa levou para assimilar o meu desamor. Nos meus pesadelos senis, essa Teresa é apenas uma sombra sem rosto, acossando-me, acuando-me, torturando-me. Cinco décadas passadas, a vigília me conduz a uma outra Teresa, solar e cristalina – o tempo da conquista, os dois meses de namoro, os dois ou três meses juntos e felizes, quando eu a amava e acreditava que apodreceria ao seu lado.